sábado, 25 de maio de 2024

Texto para resumo Victor 10C



Lê o texto com atenção e responde com clareza às perguntas que são enunciadas no final

"Imagina que não conheces o teu lugar na sociedade, a tua classe e estatuto social, os teus gostos pessoais e as tuas características psicológicas, a tua sorte na distribuição dos talentos naturais (como a inteligência, a força e a beleza) e que nem sequer conheces a tua concepção de bem, ignorando que coisas fazem uma vida valer a pena. Mas não és o único que se encontra nesta posição original; pelo contrário, todos estão envoltos neste véu de ignorância. Rawls afirma que esta situação hipotética descreve uma posição inicial de igualdade e nessa medida este argumento junta-se ao argumento intuitivo da igualdade de oportunidades. Ambos procuram defender a concepção de igualdade que melhor dá conta das nossas intuições de igualdade e justiça. De seguida, Rawls levanta a questão central: Que princípios de justiça seriam escolhidos por detrás deste véu de ignorância? Aqueles que as pessoas aceitariam contando que não teriam maneira de saber se seriam ou não favorecidas pelas contingências sociais ou naturais. Nessa medida, a posição original diz-nos que é razoável aceitar que ninguém deve ser favorecido ou desfavorecido.
Apesar de não sabermos qual será a nossa posição na sociedade e que objectivos teremos, há coisas que qualquer vida boa exige. Poderás ter uma vida boa como arquitecto ou poderás ter uma vida boa como mecânico e parece óbvio que estas vidas particulares serão bastante diferentes. Mas para serem ambas vidas boas há coisas que terão de estar presentes em qualquer uma delas, assim como em qualquer vida boa. A estas coisas Rawls chama bens primários. Há dois tipos de bens primários, os sociais e os naturais. Os bens primários sociais são directamente distribuídos pelas instituições sociais e incluem o rendimento e a riqueza, as oportunidades e os poderes, e os direitos e as liberdades. Os bens primários naturais são influenciados, mas não directamente distribuídos, pelas instituições sociais e incluem a saúde, a inteligência, o vigor, a imaginação e os talentos naturais. Podes achar estranho que as instituições sociais distribuam directamente rendimento e riqueza, mas segundo Rawls as empresas são instituições sociais.
Ora, sob o véu de ignorância, as pessoas querem princípios de justiça que lhes permitam ter o melhor acesso possível aos bens sociais primários. E, como não sabem que posição têm na sociedade, identificam-se com qualquer outra pessoa e imaginam-se no lugar dela. Desse modo, o que promove o bem de uma pessoa é o que promove o bem de todos e garante-se a imparcialidade. O véu de ignorância é assim um teste intuitivo de justiça: se queremos assegurar uma distribuição justa de peixe por três famílias, a pessoa que faz a distribuição não pode saber que parte terá; se queremos assegurar um jogo de futebol justo, a pessoa que estabelece as regras não pode saber se a sua equipa está a fazer um bom campeonato ou não. Imagina os seguintes padrões de distribuição de bens sociais primários em mundos só com três pessoas:
Mundo 1: 9, 8, 3;
Mundo 2: 10, 7, 2;
Mundo 3: 6, 5, 5.
Qual destes mundos garante o melhor acesso possível aos bens em questão? Lembra-te que te encontras envolto no véu de ignorância. Arriscas ou jogas pelo seguro? Tentas maximizar o melhor resultado possível ou tentas maximizar o pior resultado possível? Rawls responde que a tua intuição de justiça te conduzirá ao mundo 3. A escolha racional será essa. A estratégia de Rawls é conhecida como "maximin", dado que procura maximizar o mínimo."

Faustino Vaz


Texto para resumo Sofia 10C


 Robert Nozick é o crítico mais duro do princípio da diferença de Rawls. A perspetiva que propõe é a da titularidade das posses justas. Esta perspetiva diz que tudo o que ganhas honestamente através do teu esforço e de acordos justos é teu. Se alguém ganhou legitimamente o que tem, então a distribuição que daí resulta é justa — independentemente de poder ser desigual. Ainda que outros tenham muito menos, ninguém tem o direito de se apropriar das tuas posses. Esquemas (como taxas diferenciadas de impostos) que forçam a redistribuição de riqueza são errados porque violam o teu direito à propriedade. Roubam o que é teu para dar a outros.

Quanto devem ganhar os médicos? Segundo Nozick, devem ganhar seja o que for que ganhem legitimamente. Numa sociedade podem ganhar praticamente o mesmo que qualquer outra pessoa; noutra, podem ganhar grandes somas de dinheiro. Nos dois casos, são titulares do que ganham — e qualquer esquema que lhes retire os seus ganhos para ajudar outros é injusto.

Que perspectiva devemos preferir, a de Rawls ou a de Nozick? Se apelarmos a intuições morais, ficaremos num impasse; as intuições liberais estão de acordo com Rawls, enquanto as intuições libertárias estão de acordo com Nozick. Contudo, eu afirmaria que a consistência racional favorece algo de parecido com a perspectiva de Rawls. Imagina uma sociedade organizada segundo a concepção de mercado livre de Nozick e na qual, depois de várias gerações, há um grande fosso entre ricos e pobres. Aqueles que nasceram numa família rica são ricos, e aqueles que nasceram numa família pobre sujeitam-se a uma pobreza que não podem vencer. Imagina que tu e a tua família sofrem desta pobreza. Se estiveres nesta situação, poderás desejar que os princípios de Nozick sejam seguidos?

Harry Gensler
Ethics: A contemporary introduction (Routledge, 1998)

Texto para resumo Santiago 10C


Fotografia de Chien-Chi Chang -Bar no centro de Lviv. Não é servido álcool devido a uma proibição do Estado. Lviv, Ukraine, March 22, 2022 

 Em 1971, um até então obscuro professor de filosofia de Harvard, John Rawls, publicou um livro que acabou por aclamá-lo como “o maior filósofo político da América”. No livro “ Teoria da Justiça”, Rawls apresentou uma descrição da justiça na forma de dois princípios, ordenando respetivamente que as “liberdades básicas iguais” das pessoas – direitos como liberdade de expressão, liberdade de consciência e o direito de voto — devem ser maximizados, e que as desigualdades em bens sociais e económicos, que não sejam a liberdade, são aceitáveis apenas se promoverem o bem-estar dos membros “menos favorecidos” da sociedade. (Chamou este último de “princípio da diferença”).

Três anos após o aparecimento de “Teoria”, um colega do seu departamento, Robert Nozick, publicou uma resposta libertária, “Anarquia, Estado e Utopia”, que argumentava que só um "estado mínimo", dedicado a proteger as pessoas contra crimes como assalto, roubo e fraude pode ser moralmente justificado.

Como a “Teoria” de Rawls, “Anarquia” começa com uma declaração abrangente da primazia da justiça – entendida, neste último livro, como direitos individuais, definidos como liberdades, isto é, a ausência de restrições externas sobre as nossas ações – sobre todos os outros critérios para avaliar políticas sociais e instituições. Em outras palavras, Nozick reteve mais ou menos o primeiro princípio de Rawls (liberdade) enquanto eliminou o segundo (diferença).

Sugerindo que “a questão fundamental da filosofia política” não é como o governo deve ser organizado, mas “se deve haver algum estado”, Nozick oferece uma adaptação da doutrina de John Locke de que o governo é legítimo apenas na medida em que oferece maior segurança pela vida, liberdade e propriedade do que existiria num “estado de natureza” caótico e pré-político. Mais enfaticamente do que Locke, no entanto, Nozick conclui que a necessidade de segurança justifica apenas um estado mínimo, ou “vigia noturno”, uma vez que não pode ser demonstrado, acredita, que todos os indivíduos racionais achariam necessário um governo mais extenso para garantir a segurança dos seus direitos.

No lugar do “princípio da diferença” de Rawls, Nozick propõe uma “teoria do direito” da justiça, segundo a qual as propriedades individuais são justificadas apenas se derivarem de aquisições justas ou transferências (voluntárias). 

Nozick oferece uma crítica espirituosa e incisiva da lógica de Rawls para o seu princípio da diferença, refutando a alegação implausível de que apenas porque os membros de uma sociedade beneficiam da cooperação social, os membros menos favorecidos têm automaticamente direito a uma participação nos ganhos de seus pares mais bem-sucedidos. O libertarismo de Nozick, que compara a tributação da renda ao trabalho forçado, sofre, no entanto, de um defeito correspondente. Nozick nunca reconhece a necessidade de um regime liberal para garantir  um certo nível de segurança social e benefícios educacionais a todos os cidadãos, na medida em que suas circunstâncias permitirem, nem que seja para garantir a lealdade contínua dos pobres a esse regime. Como Rawls, Nozick procurou impor uma visão abstrata de justiça na vida política, relegando considerações de viabilidade (isto é, de conformidade com as prováveis demandas de seres humanos reais) para serem resolvidas por outros, no espírito da máxima de Immanuel Kant, “que a justiça triunfe, ainda que, por ela, pereça o mundo”.

  David Lewis Schaefer, "Robert Nozick and the Coast of Utopia," New York Sun, April 30, 2008.

quinta-feira, 16 de maio de 2024

Matriz para o 4º teste de 10ºAno - maio 2024




Conteúdos / Competências


2. Duas teorias sobre os fundamentos da moral/ética: A teoria deontológica de Kant e a teoria utilitarista de Stuart Mill.
 
2.1. A teoria deontológica de Kant:
a. Agir por dever, em conformidade com o dever e contra o dever/ Distinguir e exemplificar.
b. O critério da ação moral: Agir tendo como intenção o cumprimento do dever pelo dever. Explicar porque é a intenção e não as consequências são o critério moral.
c. A boa vontade. Caracterizar a boa vontade é a único critério bom.
d. A lei moral e a sua forma: O imperativo categórico. Saber formular o imperativo categórico nas suas duas formulações.
e. A distinção entre imperativo categórico e hipotético. Distinguir e exemplificar.
f. A distinção entre heteronomia e autonomia da vontade. Distinguir e exemplificar.
g. Objeções. Avaliar a teoria deontológica.

2.2. A teoria utilitarista de S.Mill:
a. O critério da moral: A felicidade para o maior número. Saber explicar este critério.
b. A valorização das consequências da ação. Vantagens e desvantagens deste critério.
c. O que se entende por felicidade. Caracterizar o conceito.
f. Objeções. Avaliar a teoria utilitarista.
g. A distinção dos prazeres. Justificar porque é que a teoria de Mill é um hedonismo sofisticado.

2.3. Relacionar as duas teorias éticas (quanto ao critério da ação moral, quanto às regras morais, quanto à finalidade e quanto ao fundamento)
 
3. A Filosofia política
a) As questões da filosofia política. Enunciar as questões da Filosofia política.

3.1 A Teoria da justiça de Rawls
a)  Fundamentar a posição de Rawls como igualitarista e libertária.
b) Fundamentar a necessidade do Contrato Socil para escolher os princípios da justiça.
c) Definir os conceitos de "maximin", "Contrato social", "justiça distributiva", "Véu da ignorância", equidade.
d) Caracterizar a situação do "vèu da ignorância"
e) Demonstrar a importância da experiência imaginária " Véu da Ignorância" para a escolha dos princípios da justiça.
f) Interpretar a regra "maximin"
g) Formular e explicar os princípios da justiça. Liberdade igual, Igualdade de Oportunidades Princípio da diferença.
h) Aplicar os princípios da justiça a situações concretas.
i) Expôr os argumentos de Nozick e Sandel contra a teoria de Rawls.


ESTRUTURA e AVALIAÇÃO
Grupo I - CONCETUALIZAÇÃO - 10 questões de escolha múltipla (10x15=150 Pontos)
Grupo II - Duas questões de definição de conceitos (2x25 Pontos= 50 Pontos)

ARGUMENTAÇÃO E PROBLEMATIZAÇÃO
5 Questões. (5x40=200 Pontos) 
Resposta estruturada e desenvolvimento do conteúdo. Exige conhecimento do tema e justificação das respostas dadas.  Interpretação/Análise dos argumentos e das teses de um de texto.
PROBLEMATIZAÇÃO - 
Saber formular questões/problemas. Colocar objeções a uma teoria. Avaliar criticamente uma teoria.
 
Critérios de avaliação:

1. Dominar com rigor os conhecimentos exigidos para responder às questões.
2. Utilizar os conceitos filosóficos.
3. Expor de forma clara e objetiva o pensamento.
4. Saber analisar logicamente um texto.
5. Selecionar no texto o que é necessário para responder.
6. Aplicar os conhecimentos adquiridos a novas situações.
7. Avaliar as várias teorias contrapondo argumentos.
8. Justificar com razões fortes as suas posições.
9. Escrever com correção.




BOM ESTUDO!!

sábado, 11 de maio de 2024

Texto para resumo Léa 10C

 


O que é a sociedade justa? Como poderemos saber? Para começar, pensemos num exemplo bastante simples no qual parece colocar-se uma questão de justiça. Suponhamos que duas pessoas – o leitor e eu – estão a jogar póquer. Eu dou cartas e o leitor recebe-as e olha para elas. Antes de ver o meu jogo, reparo numa carta – o ás de espadas – caída no chão. Ao ver isto, proponho que anulemos a jogada e disponho-me a dar novamente as cartas. Mas o leitor insiste em jogar. Discordamos, portanto. Que devemos fazer?

Em última instância, é claro, um de nós poderia vergar-se perante uma pressão superior, ou mesmo perante a força física. Mas antes de chegarmos a vias de facto, devemos perceber que há várias estratégias ao nosso dispor para tentarmos, se assim o quisermos, resolver a questão determinando qual deveria ser o resultado justo. Uma delas, por exemplo, poderia ser termos feito previamente um acordo, que cobrisse aquele caso. (…)

Mas talvez – o mais provável – não exista um verdadeiro acordo a que possamos recorrer. Que outra coisa poderíamos fazer? Um segundo pensamento é solicitar o conselho de um “espectador imparcial”. (…)

Mas, e se nas imediações não estiver pessoa alguma com estas características? Uma terceira estratégia consistiria em evocar alguém mentalmente – um espetador hipotético. “O que diria o teu pai, se aqui estivesse?” (…)

Por fim, podíamos fazer apelo a um acordo hipotético. Mentalmente, podíamos analisar o acordo que teríamos feito se um de nós tivesse colocado a questão antes de o jogo começar. Talvez eu consiga convencer o leitor de que, se tivéssemos discutido o assunto, teríamos concordado em anular a jogada nestas circunstâncias. O leitor só discorda porque está influenciado pelo jogo que tem na mão. (…) Isso não o deixa ver a justiça da situação. Imaginar aquilo com que teria concordado antes de ter o jogo na mão é uma forma de tentar filtrar a parcialidade originada pelos seus próprios interesses. E é esta a ideia que Rawls adota na tentativa de defesa dos seus princípios de justiça.

É claro que, se quisermos usar o argumento do acordo hipotético para resolver os problemas da justiça, temos de supor que o contrato hipotético ocorrerá em circunstâncias de algum modo especiais. (…) Assim, pressupomos alguma ignorância. Nenhum de nós sabe o jogo que lhe tocará. Se conseguirmos imaginar isto, ficaremos numa posição em que não poderemos ser influenciados pelos nossos interesses particulares; ou seja, pelo facto de termos ou não um bom jogo em mãos. Se não fizermos esta abstração, a probabilidade de conseguirmos definir um acordo hipotético torna-se diminuta.

Rawls, então, usa o argumento do contrato hipotético para justificar os seus princípios de justiça. Consequentemente, podemos dividir o projeto de Rawls em três elementos. O primeiro é a definição das circunstâncias nas quais se realizará o acordo hipotético; o segundo é o argumento de que os seus princípios de justiça seriam escolhidos nessas circunstâncias; e o terceiro é a afirmação de que isto mostra que aqueles são princípios de justiça corretos, pelo menos para regimes democráticos modernos. Consideremos o primeiro destes elementos, as circunstâncias do contrato, que Rawls designa como “posição original”. Que ignorância ou que conhecimento precisamos de atribuir aos contratantes para se tornar possível um acordo sobre justiça social?

Jonathan Wolff (2004). Introdução à filosofia política. Gradiva, pp. 219-222.

domingo, 5 de maio de 2024

Texto para resumo João Marques 10C

A justiça é a virtude primeira das instituições sociais, tal como a verdade o é para os sistemas de pensamento. Uma teoria, por mais elegante ou parcimoniosa que seja, deve ser rejeitada ou alterada se não for verdadeira; da mesma forma, as leis e instituições, apesar de poderem ser eficazes e bem concebidas, devem ser reformadas ou abolidas se forem injustas. Cada pessoa beneficia de uma inviolabilidade que decorre da justiça, a qual nem sequer em benefício do bem-estar da sociedade como um todo poderá ser eliminada. Por esta razão, a justiça impede que alguns percam a liberdade para outros passarem a partilhar um bem maior. Não permite que os sacrifícios impostos a uns poucos sejam compensados pelo aumento das vantagens usufruídas por um maior número. Assim, numa sociedade justa, a igualdade de liberdade e direitos entre os cidadãos é considerada definitiva.
(...)
Na teoria da justiça como equidade, a posição da igualdade original corresponde ao estado de natureza na teoria tradicional do contrato social.Esta posição original não é, evidentemente, concebida como uma situação histórica concreta, muito menos como um estado cultural primitivo. Deve ser vista como uma situação puramente hipotética, caracterizada de forma a conduzir a uma certa concepção da justiça. Entre as características essenciais está o facto de que ninguém conhece a sua posição na sociedade, a sua situação de classe ou estatuto social, bem como a parte que lhe cabe na distribuição de atributos e talentos naturais, como a sua inteligência, a sua força e outras qualidades semelhantes. Parto inclusivamente do princípio de que as partes desconhecem as suas concepções do bem e as suas tendências psicológicas particulares. Os princípios da justiça são escolhidos a coberto de um véu de ignorância. Assim se garante que ninguém é beneficiado ou prejudicado na escolha daqueles princípios pelos resultados do acaso natural ou pela contingência das circunstâncias sociais. Uma vez que todos os participantes estão numa situação semelhante e que ninguém está em posição de designar princípios que beneficiem a sua situação particular, os princípios da justiça são o resultado de um acordo ou negociação equitativa, (...) isto justifica a designação "justiça como equidade": transmite a ideia de que o acordo sobre os princípios da justiça é alcançado numa situação inicial que é equitativa. Não decorre daqui que os conceitos de justiça e equidade sejam idênticos, tal como também não decorre da frase "a poesia como metáfora" que os conceitos de poesia e de metáfora o sejam.

John Rawls, Uma Teoria da justiça in Textos e problemas de Filosofia

quinta-feira, 2 de maio de 2024

Texto para resumo, 2ª dia 6 de maio - João Grenho -10C


Fotografia: Leonard Freed, 1965

1. A política baseia-se na pluralidade dos homens. Deus criou o homem, os homens são um produto humano mundano, e produto da natureza humana. A filosofia e a teologia ocupam-se do homem, e todas as suas afirmações seriam correctas se houvesse apenas um homem, ou apenas dois homens, ou apenas homens idênticos. Por isso, não encontraram nenhuma resposta filosoficamente válida para a pergunta: o que é política? Mais, ainda: para todo o pensamento científico existe apenas o homem — na biologia ou na psicologia, na filosofia e na teologia, da mesma forma como para a zoologia só existe o leão. Os leões seriam, no caso, uma questão que só interessaria aos leões. É surpreendente a diferença de categoria entre as filosofias políticas e as obras de todos os grandes pensadores — até mesmo de Platão. A política jamais atinge a mesma profundidade. A falta de profundidade de pensamento não revela outra coisa senão a própria ausência de profundidade, na qual a política está ancorada.
2. A política trata da convivência entre diferentes. Os homens organizam-se politicamente para certas coisas em comum, essenciais num caos absoluto, ou a partir do caos absoluto das diferenças. Enquanto os homens organizam corpos políticos sobre a família, em cujo quadro se entendem, o parentesco significa, em diversos graus, por um lado aquilo que pode ligar os mais diferentes e por outro, aquilo pelo qual formas individuais semelhantes podem separar-se de novo umas das outras e umas contra as outras.
Nessa forma de organização, a diversidade original tanto é extinta de maneira efectiva como também é destruída a igualdade essencial de todos os homens. A ruína da política em ambos os casos surge do desenvolvimento de corpos políticos a partir da família. Aqui já está indicado o que se torna simbólico na imagem da Sagrada Família: Deus não criou tanto o homem como o fez com a família.*3. Quando se vê na família mais do que a participação, ou seja, a participação activa na pluralidade, começa-se a fazer de Deus, ou seja, a agir como se se pudesse sair, de modo natural, do princípio da diversidade.

Hannah Arendt, O que é a Política? p