segunda-feira, 13 de maio de 2024

Texto para resumo: Leonardo 10C


Rawls debruçou-se sobre um dos mais espinhosos dilemas da sociedade democrática: como conciliar direitos iguais numa sociedade desigual, como harmonizar as ambições materiais dos mais talentosos  com os anseios dos menos favorecidos em melhorar a sua vida e posição na sociedade? Tratou-se de um esforço intelectual para conciliar a Meritocracia com a ideia da Igualdade.
A resposta que Rawls encontrou para resolver essas antinomias e posições conflituantes fez história. Nem a social-democracia europeia, velha demais de século e meio, adotando sempre um política social pragmática, havia encontrado uma solução teórica-jurídica para tal desafio. Habermas, o maior filósofo alemão do pós-guerra, considerou o livro de Rawls, um marco na história do pensamento, um turning point na teoria social moderna, abrindo caminho para a aceitação dos direitos das minorias e para a política da Affirmative Action , a ação positiva. Política de compensação social adotada em muitos estados dos Estados Unidos desde então, que visa ampliar e facilitar as possibilidades de ascensão aos empregos públicos e aos assentos universitários por parte daquelas minorias étnicas que deles tinham sido, até então, rejeitadas ou excluídas. Cumpre-se dessa forma a sua meta de maximize the welfare of society's worse-off member, de fazer com que a sociedade do Bem-estar fosse maximizada em função dos que estão na pior situação, garantindo que a extensão dos direitos de cada um fosse o mais amplamente estendido, desde que compatível com a liberdade do outro.
A sociedade justa
De certo modo Rawls retoma, no quadro do liberalismo social de hoje, a discussão ocorrida nos tempos da Grécia Antiga, no século V a.C., registrada na "República" , de Platão. Ocasião em que, pela primeira vez, se debateu  quais seriam os fundamentos de uma sociedade justa. Para o filósofo americano os seus dois pressupostos são:
1) igualdade de oportunidades abertas a todos em condições de plena equidade.
 2) os benefícios nela auferidos devem ser repassados preferencialmente aos membros menos privilegiados da sociedade, os worst off, satisfazendo as expectativas deles, porque a justiça social é, antes de tudo, amparar os desvalidos. Para conseguir-se isso é preciso, todavia, que uma dupla operação ocorra. Os better off, os talentosos, os melhor dotados (por nascimento, herança ou dom), devem aceitar com benevolência em ver diminuir sua participação material (em bens, salários, lucros e status social), minimizadas em favor do outros, dos desassistidos. Esses, por sua vez, podem assim ampliar seus horizontes e suas esperanças em dias melhores, maximizando suas expectativas.
Para que isso seja realizável numa moderna democracia de modelo representativo é pertinente concordar inclusive que os representantes dos menos favorecidos (partidos populares, lideranças sindicais, minorias étnicas, certos grupos religiosos, e demais excluídos, etc..), sejam contemplados no jogo político com a ampliação da sua representação, mesmo que em detrimento momentâneo da representação da maioria. Rawls aqui introduz o principio ético do altruísmo a ser exigido ou cobrado aos mais talentosos e beneficiados - a abdicação consciente de certos privilégios e vantagens materiais legítimas em favor dos socialmente menos favorecidos.
Há nisso uma clara evocação, de origem calvinista, à limitação dos " direitos do talento", sem a qual ele considera difícil senão impossível por em prática a equidade. Especialmente quando se lembra que uma sociedade materialmente rica não significa necessariamente que ela é justa. Organizações sociais modestas, lembrou ele, podem apresentar um padrão de justiça bem maior do que se encontra nas sociedades opulentas. Exemplo igual dessa " secularização do calvinismo" visando o apelo à concórdia social, é a abundância no texto de Rawls de expressões como, além do citado altruísmo, "benevolência", " imparcialidade", "desinteresse mútuo", "desejos benevolentes", "situação equitativa", " bondade", " objeção de consciência", etc...
Worst off - Os socialmente desfavorecidos - Devem ter suas esperanças de ascensão e boa colocação social maximizadas, objetivo atingido por meio de legislação especial corretiva, reparadora das injustiças passadas.

Better off - Os mais favorecidos - Devem ter suas expectativas materiais minimizadas, sendo convencidos através do apelo altruístico de que o talento está a serviço do coletivo, preferencialmente voltado para o atendimento dos menos favorecidos.

Leonardo Rabelo, Rawls versus Kant: visões diferentes do construtivismo

Texto para resumo Margarida Guedes 10C



Na teoria da justiça como equidade, a posição da igualdade original corresponde ao estado de natureza na teoria tradicional do contrato social. Esta posição original não é, evidentemente, concebida como uma situação histórica concreta, muito menos como um estado cultural primitivo. Deve ser vista como uma situação puramente hipotética, caracterizada de forma a conduzir a uma certa conceção da justiça. Entre as características essenciais está o facto de que ninguém conhece a sua posição na sociedade, a sua situação de classe ou estatuto social, bem como a parte que lhe cabe na distribuição de atributos e talentos naturais, como a sua inteligência, a sua força e outras qualidades semelhantes. Parto inclusivamente do princípio de que as partes desconhecem as suas concepções do bem e as suas tendências psicológicas particulares. Os princípios da justiça são escolhidos a coberto de um véu de ignorância. Assim se garante que ninguém é beneficiado ou prejudicado na escolha daqueles princípios pelos resultados do acaso natural ou pela contingência das circunstâncias sociais. Uma vez que todos os participantes estão numa situação semelhante e que ninguém está em posição de designar princípios que beneficiem a sua situação particular, os princípios da justiça são o resultado de um acordo ou negociação equitativa, (...) isto justifica a designação "justiça como equidade": transmite a ideia de que o acordo sobre os princípios da justiça é alcançado numa situação inicial que é equitativa. Não decorre daqui que os conceitos de justiça e equidade sejam idênticos, tal como também não decorre da frase "a poesia como metáfora" que os conceitos de poesia e de metáfora o sejam.

John Rawls, Uma Teoria da justiça in Textos e problemas de Filosofia


sábado, 11 de maio de 2024

Texto para resumo Léa 10C

 


O que é a sociedade justa? Como poderemos saber? Para começar, pensemos num exemplo bastante simples no qual parece colocar-se uma questão de justiça. Suponhamos que duas pessoas – o leitor e eu – estão a jogar póquer. Eu dou cartas e o leitor recebe-as e olha para elas. Antes de ver o meu jogo, reparo numa carta – o ás de espadas – caída no chão. Ao ver isto, proponho que anulemos a jogada e disponho-me a dar novamente as cartas. Mas o leitor insiste em jogar. Discordamos, portanto. Que devemos fazer?

Em última instância, é claro, um de nós poderia vergar-se perante uma pressão superior, ou mesmo perante a força física. Mas antes de chegarmos a vias de facto, devemos perceber que há várias estratégias ao nosso dispor para tentarmos, se assim o quisermos, resolver a questão determinando qual deveria ser o resultado justo. Uma delas, por exemplo, poderia ser termos feito previamente um acordo, que cobrisse aquele caso. (…)

Mas talvez – o mais provável – não exista um verdadeiro acordo a que possamos recorrer. Que outra coisa poderíamos fazer? Um segundo pensamento é solicitar o conselho de um “espectador imparcial”. (…)

Mas, e se nas imediações não estiver pessoa alguma com estas características? Uma terceira estratégia consistiria em evocar alguém mentalmente – um espetador hipotético. “O que diria o teu pai, se aqui estivesse?” (…)

Por fim, podíamos fazer apelo a um acordo hipotético. Mentalmente, podíamos analisar o acordo que teríamos feito se um de nós tivesse colocado a questão antes de o jogo começar. Talvez eu consiga convencer o leitor de que, se tivéssemos discutido o assunto, teríamos concordado em anular a jogada nestas circunstâncias. O leitor só discorda porque está influenciado pelo jogo que tem na mão. (…) Isso não o deixa ver a justiça da situação. Imaginar aquilo com que teria concordado antes de ter o jogo na mão é uma forma de tentar filtrar a parcialidade originada pelos seus próprios interesses. E é esta a ideia que Rawls adota na tentativa de defesa dos seus princípios de justiça.

É claro que, se quisermos usar o argumento do acordo hipotético para resolver os problemas da justiça, temos de supor que o contrato hipotético ocorrerá em circunstâncias de algum modo especiais. (…) Assim, pressupomos alguma ignorância. Nenhum de nós sabe o jogo que lhe tocará. Se conseguirmos imaginar isto, ficaremos numa posição em que não poderemos ser influenciados pelos nossos interesses particulares; ou seja, pelo facto de termos ou não um bom jogo em mãos. Se não fizermos esta abstração, a probabilidade de conseguirmos definir um acordo hipotético torna-se diminuta.

Rawls, então, usa o argumento do contrato hipotético para justificar os seus princípios de justiça. Consequentemente, podemos dividir o projeto de Rawls em três elementos. O primeiro é a definição das circunstâncias nas quais se realizará o acordo hipotético; o segundo é o argumento de que os seus princípios de justiça seriam escolhidos nessas circunstâncias; e o terceiro é a afirmação de que isto mostra que aqueles são princípios de justiça corretos, pelo menos para regimes democráticos modernos. Consideremos o primeiro destes elementos, as circunstâncias do contrato, que Rawls designa como “posição original”. Que ignorância ou que conhecimento precisamos de atribuir aos contratantes para se tornar possível um acordo sobre justiça social?

Jonathan Wolff (2004). Introdução à filosofia política. Gradiva, pp. 219-222.

domingo, 5 de maio de 2024

Texto para resumo João Marques 10C

A justiça é a virtude primeira das instituições sociais, tal como a verdade o é para os sistemas de pensamento. Uma teoria, por mais elegante ou parcimoniosa que seja, deve ser rejeitada ou alterada se não for verdadeira; da mesma forma, as leis e instituições, apesar de poderem ser eficazes e bem concebidas, devem ser reformadas ou abolidas se forem injustas. Cada pessoa beneficia de uma inviolabilidade que decorre da justiça, a qual nem sequer em benefício do bem-estar da sociedade como um todo poderá ser eliminada. Por esta razão, a justiça impede que alguns percam a liberdade para outros passarem a partilhar um bem maior. Não permite que os sacrifícios impostos a uns poucos sejam compensados pelo aumento das vantagens usufruídas por um maior número. Assim, numa sociedade justa, a igualdade de liberdade e direitos entre os cidadãos é considerada definitiva.
(...)
Na teoria da justiça como equidade, a posição da igualdade original corresponde ao estado de natureza na teoria tradicional do contrato social.Esta posição original não é, evidentemente, concebida como uma situação histórica concreta, muito menos como um estado cultural primitivo. Deve ser vista como uma situação puramente hipotética, caracterizada de forma a conduzir a uma certa concepção da justiça. Entre as características essenciais está o facto de que ninguém conhece a sua posição na sociedade, a sua situação de classe ou estatuto social, bem como a parte que lhe cabe na distribuição de atributos e talentos naturais, como a sua inteligência, a sua força e outras qualidades semelhantes. Parto inclusivamente do princípio de que as partes desconhecem as suas concepções do bem e as suas tendências psicológicas particulares. Os princípios da justiça são escolhidos a coberto de um véu de ignorância. Assim se garante que ninguém é beneficiado ou prejudicado na escolha daqueles princípios pelos resultados do acaso natural ou pela contingência das circunstâncias sociais. Uma vez que todos os participantes estão numa situação semelhante e que ninguém está em posição de designar princípios que beneficiem a sua situação particular, os princípios da justiça são o resultado de um acordo ou negociação equitativa, (...) isto justifica a designação "justiça como equidade": transmite a ideia de que o acordo sobre os princípios da justiça é alcançado numa situação inicial que é equitativa. Não decorre daqui que os conceitos de justiça e equidade sejam idênticos, tal como também não decorre da frase "a poesia como metáfora" que os conceitos de poesia e de metáfora o sejam.

John Rawls, Uma Teoria da justiça in Textos e problemas de Filosofia

quinta-feira, 2 de maio de 2024

Texto para resumo, 2ª dia 6 de maio - João Grenho -10C


Fotografia: Leonard Freed, 1965

1. A política baseia-se na pluralidade dos homens. Deus criou o homem, os homens são um produto humano mundano, e produto da natureza humana. A filosofia e a teologia ocupam-se do homem, e todas as suas afirmações seriam correctas se houvesse apenas um homem, ou apenas dois homens, ou apenas homens idênticos. Por isso, não encontraram nenhuma resposta filosoficamente válida para a pergunta: o que é política? Mais, ainda: para todo o pensamento científico existe apenas o homem — na biologia ou na psicologia, na filosofia e na teologia, da mesma forma como para a zoologia só existe o leão. Os leões seriam, no caso, uma questão que só interessaria aos leões. É surpreendente a diferença de categoria entre as filosofias políticas e as obras de todos os grandes pensadores — até mesmo de Platão. A política jamais atinge a mesma profundidade. A falta de profundidade de pensamento não revela outra coisa senão a própria ausência de profundidade, na qual a política está ancorada.
2. A política trata da convivência entre diferentes. Os homens organizam-se politicamente para certas coisas em comum, essenciais num caos absoluto, ou a partir do caos absoluto das diferenças. Enquanto os homens organizam corpos políticos sobre a família, em cujo quadro se entendem, o parentesco significa, em diversos graus, por um lado aquilo que pode ligar os mais diferentes e por outro, aquilo pelo qual formas individuais semelhantes podem separar-se de novo umas das outras e umas contra as outras.
Nessa forma de organização, a diversidade original tanto é extinta de maneira efectiva como também é destruída a igualdade essencial de todos os homens. A ruína da política em ambos os casos surge do desenvolvimento de corpos políticos a partir da família. Aqui já está indicado o que se torna simbólico na imagem da Sagrada Família: Deus não criou tanto o homem como o fez com a família.*3. Quando se vê na família mais do que a participação, ou seja, a participação activa na pluralidade, começa-se a fazer de Deus, ou seja, a agir como se se pudesse sair, de modo natural, do princípio da diversidade.

Hannah Arendt, O que é a Política? p