sábado, 11 de maio de 2024

Texto para resumo Léa 10C

 


O que é a sociedade justa? Como poderemos saber? Para começar, pensemos num exemplo bastante simples no qual parece colocar-se uma questão de justiça. Suponhamos que duas pessoas – o leitor e eu – estão a jogar póquer. Eu dou cartas e o leitor recebe-as e olha para elas. Antes de ver o meu jogo, reparo numa carta – o ás de espadas – caída no chão. Ao ver isto, proponho que anulemos a jogada e disponho-me a dar novamente as cartas. Mas o leitor insiste em jogar. Discordamos, portanto. Que devemos fazer?

Em última instância, é claro, um de nós poderia vergar-se perante uma pressão superior, ou mesmo perante a força física. Mas antes de chegarmos a vias de facto, devemos perceber que há várias estratégias ao nosso dispor para tentarmos, se assim o quisermos, resolver a questão determinando qual deveria ser o resultado justo. Uma delas, por exemplo, poderia ser termos feito previamente um acordo, que cobrisse aquele caso. (…)

Mas talvez – o mais provável – não exista um verdadeiro acordo a que possamos recorrer. Que outra coisa poderíamos fazer? Um segundo pensamento é solicitar o conselho de um “espectador imparcial”. (…)

Mas, e se nas imediações não estiver pessoa alguma com estas características? Uma terceira estratégia consistiria em evocar alguém mentalmente – um espetador hipotético. “O que diria o teu pai, se aqui estivesse?” (…)

Por fim, podíamos fazer apelo a um acordo hipotético. Mentalmente, podíamos analisar o acordo que teríamos feito se um de nós tivesse colocado a questão antes de o jogo começar. Talvez eu consiga convencer o leitor de que, se tivéssemos discutido o assunto, teríamos concordado em anular a jogada nestas circunstâncias. O leitor só discorda porque está influenciado pelo jogo que tem na mão. (…) Isso não o deixa ver a justiça da situação. Imaginar aquilo com que teria concordado antes de ter o jogo na mão é uma forma de tentar filtrar a parcialidade originada pelos seus próprios interesses. E é esta a ideia que Rawls adota na tentativa de defesa dos seus princípios de justiça.

É claro que, se quisermos usar o argumento do acordo hipotético para resolver os problemas da justiça, temos de supor que o contrato hipotético ocorrerá em circunstâncias de algum modo especiais. (…) Assim, pressupomos alguma ignorância. Nenhum de nós sabe o jogo que lhe tocará. Se conseguirmos imaginar isto, ficaremos numa posição em que não poderemos ser influenciados pelos nossos interesses particulares; ou seja, pelo facto de termos ou não um bom jogo em mãos. Se não fizermos esta abstração, a probabilidade de conseguirmos definir um acordo hipotético torna-se diminuta.

Rawls, então, usa o argumento do contrato hipotético para justificar os seus princípios de justiça. Consequentemente, podemos dividir o projeto de Rawls em três elementos. O primeiro é a definição das circunstâncias nas quais se realizará o acordo hipotético; o segundo é o argumento de que os seus princípios de justiça seriam escolhidos nessas circunstâncias; e o terceiro é a afirmação de que isto mostra que aqueles são princípios de justiça corretos, pelo menos para regimes democráticos modernos. Consideremos o primeiro destes elementos, as circunstâncias do contrato, que Rawls designa como “posição original”. Que ignorância ou que conhecimento precisamos de atribuir aos contratantes para se tornar possível um acordo sobre justiça social?

Jonathan Wolff (2004). Introdução à filosofia política. Gradiva, pp. 219-222.

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