sexta-feira, 19 de março de 2021

Texto para resumo Viviana 10B



Dario, o rei da Pérsia antiga, ficou intrigado com a variedade de culturas que encontrou nas suas viagens. Ele descobriu, por exemplo, que os galatianos, que viviam na Índia, comiam os corpos de seus pais mortos. Os gregos, naturalmente, não faziam isso – eles praticavam a cremação e viam o funeral da pira como amaneira natural e adequada de dispor dos mortos. Dario pensava que uma visão sofisticada poderia prezar as diferenças entre as culturas. Um dia, para ensinar a sua lição, ele convocou alguns gregos que estavam na sua corte e perguntou-lhes o que seria necessário para eles comerem os corpos de seus pais mortos. Eles ficaram chocados, como Dario sabia que eles ficariam, e responderam que nenhuma quantidade de dinheiro poderia persuadi-los a fazer tal coisa. Então, Dario chamou alguns galatianos e, enquanto os gregos ouviam, perguntou-lhes oque seria necessário para eles queimarem os corpos de seus pais mortos. Os galatianos ficaram horrorizados e disseram a Dario para não falar de tais coisas. Essa estória, recontada por Heródoto na sua História, ilustra um tema recorrente na literatura das ciências sociais: culturas diferentes têm códigos morais diferentes. O que é pensado como correto por um grupo pode horrorizar os membros de um outro grupo e vice-versa. Devemos nós comer os corpos dos mortos ou queimá-los? Se  fosse grego, uma resposta poderia ser obviamente correta, mas, se  fosse galatiano, a outra resposta poderia ser igualmente certa.

O RELATIVISMO CULTURAL Para muitas pessoas esta observação – “culturas diferentes têm códigos morais diferentes” – parece ser a chave para entender a moralidade. Não há verdades morais universais, dizem eles. Os costumes de sociedades diferentes são tudo oque existe. Chamar um costume de “correto” ou “incorreto” implicaria podermos julgar tal costume por algum padrão independente do que é certo e errado. Mas não existe tal padrão. Todo padrão é limitado culturalmente. O sociólogo William Graham Summer (1840-1910) apresentou o assunto nos seguintes termos: O modo “correto” é o modo que os ancestrais utilizavam e que foi transmitido.
 
[...] A noção de correto está nos modos de pensar de um povo. Não é exterior a eles, de uma origem independente, trazido para testá-los. Nos modos de pensar de um povo, qualquer que seja esse pensar, ele é correto. Isso ocorre porque eles são tradicionais e, portanto, contêm em si mesmos a autoridade dos espíritos ancestrais. Essa linha de pensamento, mais do que qualquer outra, tem persuadido as pessoas a serem céticas a respeito da ética. Com efeito, o relativismo cultural afirma que não há tal coisa como verdade universal na ética. Há somente os vários códigos culturais e nada mais. O relativismo cultural desafia a nossa crença na objetividade e na universalidade da verdade moral. Todas as pretensões seguintes foram feitas pelos relativistas culturais:
1. Sociedades diferentes têm códigos morais diferentes.2. O código moral de uma sociedade determina o que é certo dentro daquela sociedade, isto é, se o código moral de uma sociedade diz que uma certa ação é correta, então aquela ação é correta, ao menos dentro daquela sociedade.3. Não há padrão objetivo que pode ser usado para julgar o código de uma sociedade como melhor do que o de outra sociedade. Não há verdades morais que valham para todas as pessoas em todos os tempos. 4. O código moral de nossa própria sociedade não tem um status especial. Ele é somente mais um código entre muitos.5. É arrogante de nossa parte julgar outras culturas. Devemos sempre ser tolerantes em relação a elas.
Estas cinco proposições parecem caminhar em conjunto, mas elas são independentes umas das outras, o que pode significar que algumas delas podem ser verdadeiras mesmo que outras sejam falsas. Realmente, duas das proposições parecem ser inconsistentes entre si. A segunda diz que o certo e o errado são determinados pelas normas de cada sociedade. A quinta diz que se deve sempre ser tolerante em relação a outras culturas. Mas e se as normas de uma sociedade favorecem a intolerância? 

James Rachels, Elementos da filosofia moral

A ÉTICA NORMATIVA - SOBRE A MORAL DEONTOLÓGICA DE KANT



“- Kant tinha desde o princípio a forte impressão de que a diferença entre o justo e o injusto tinha de ser mais do que uma questão de sentimentos. Nesse aspeto ele estava de acordo com os racionalistas, que tinham explicado que era inerente à razão humana distinguir o justo do injusto. Todos os homens sabem o que é justo e o que não é, e nós sabemo-lo não apenas porque o aprendemos, mas também porque é inerente à nossa razão. Kant achava que todos os homens tinham uma “razão prática” que nos diz sempre o que é justo e o que é injusto no domínio da moral.
- Então é inata?
 - A capacidade de distinguir o justo do injusto é tão inata como todos os outros atributos da razão. Todos os homens vêem os fenómenos como determinados causalmente – e também têm acesso à mesma lei moral universal. Esta lei moral tem a mesma validade absoluta que as leis físicas da natureza. Isso é tão fundamental para a nossa vida moral como é fundamental para a nossa vida racional que tudo tenha uma causa, ou que sete mais cinco sejam doze.
- E o que é que diz essa lei moral?
- Uma vez que precede qualquer experiência, é "formal". Significa que não está relacionada com possibilidades morais de escolha determinadas. É válida para todos os homens em todas as sociedades e em todos os tempos. Logo, não diz que tens de fazer isto ou aquilo nesta ou naquela situação. Diz como te deves comportar em todas as situações.
- Mas que sentido tem uma lei moral, se não nos diz como nos devemos comportar numa situação determinada?
-Kant formula a lei moral como imperativo categórico. Por isto, ele entende que a lei moral é "categórica", quer dizer, é válida em todas as situações. Além disso, é um "imperativo" e consequentemente uma "ordem" e absolutamente inevitável.
- Hm...
- Aliás, Kant formula o seu imperativo categórico de diversas formas. Primeiro, diz: “devíamos agir sempre de tal forma que pudéssemos desejar simultaneamente que a regra segundo a qual agimos fosse uma lei universal”.
- Quando faço alguma coisa, tenho de ter a certeza de que desejo que todos façam o mesmo na mesma situação.
- Exato. Só nessa altura ages de acordo com a tua lei moral interior. Kant também formulou o imperativo categórico da seguinte forma: devemos tratar os outros homens sempre como um fim em si e não como um meio para alguma outra coisa.
-Não podemos, portanto, "explorar" os outros para obtermos benefícios.
 -Não, porque todos os homens são um fim em si. Mas isso não é válido apenas para os outros, mas também para nós mesmos. Também não nos devemos explorar como meio para alcançar algo.
- Isso faz-me lembrar a "regra dourada": não faças aos outros o que não queres que te façam a ti. -Sim, e isso é uma norma formal que abrange basicamente todas as possibilidades éticas de escolha. (…)
- Para Kant, a lei moral era tão absoluta e universalmente válida como, por exemplo, a lei da causalidade. Também não pode ser provada pela razão, mas é incontornável. Nenhum homem a contestaria.
 - Começo a ter a sensação de que estamos realmente a falar da consciência, porque todos os homens têm uma consciência.
-Sim, quando Kant descreve a lei moral, descreve a consciência humana. Não podemos provar o que a consciência diz, mas sabemo-lo. - Por vezes, sou muito simpático para com os outros simplesmente porque é vantajoso para mim. Desse modo, posso ser popular. - Mas quando és simpática para com os outros apenas para seres popular, não estás a agir de acordo com a lei moral. Talvez não estejas a observar a lei moral. Talvez estejas a agir numa espécie de acordo superficial com a lei moral - e isso já é alguma coisa -, mas uma ação moral tem de ser o resultado de uma superação de ti mesma. Só quando fazes algo porque achas ser teu “dever” seguir a lei moral é que podes falar de uma ação moral. Por isso, a ética de Kant é frequentemente chamada “ética do dever”.
- Eu posso achar ser meu dever juntar dinheiro para a Cruz Vermelha ou a Caritas. - Sim, e o importante é tu fazeres uma coisa porque a achas correta. Mesmo quando o dinheiro que tu juntaste se extravia ou nunca alimente as pessoas que devia alimentar, tu cumpriste a lei moral. Agiste com a atitude correta e, segundo Kant, a atitude é decisiva para podermos dizer que uma coisa é moralmente correta. Não são as consequências de uma ação que são decisivas. Por isso, também dizemos que a “ética de Kant é uma ética da boa vontade”.
 - Porque é que era tão importante para ele saber quando é que agimos por respeito à lei moral? Não é mais importante que aquilo que fazemos ajude os outros? - Sim, Kant concordaria, mas só quando sabemos que agimos por respeito à lei moral é que agimos em “liberdade”.
- Só obedecendo a uma lei é que agimos em liberdade? Isso não é estranho?
- Segundo Kant, não. Talvez ainda te lembres que ele "postulou" o livre arbítrio do homem. Esse é um ponto importante, porque Kant achava que todas as coisas seguem a lei da causalidade. Como é que podemos ter livre arbítrio assim?
-Não me perguntes.
 - Aqui, Kant divide o homem em duas partes, e nisso faz lembrar Descartes, que afirmava que o homem era um ser duplo visto que tem corpo e razão. Enquanto seres sensíveis, estamos completamente sujeitos às leis imutáveis da causalidade, segundo Kant. Não decidimos o que sentimos; as sensações surgem necessariamente e influenciam-nos, quer queiramos quer não. Mas o homem não é apenas um ser sensível. Somos também seres racionais. - Explica-me isso! - Enquanto seres sensíveis, pertencemos à ordem da natureza. Por isso estamos sujeitos à lei da causalidade. Deste ponto de vista, não temos livre arbítrio. Mas enquanto seres racionais, participamos no mundo "em si" – ou seja, no mundo independente das nossas sensações. Só quando seguimos a nossa "razão prática" - que nos possibilita fazer uma escolha moral -, temos livre arbítrio. Se obedecermos à lei moral, somos nós que fazemos a lei pela qual nos orientamos.
-Sim, isso está certo. Eu digo - ou alguma coisa em mim diz - que eu não devo ser má para os outros. - Se decides não ser má - mesmo quando ages contra o teu próprio interesse - então estás a agir livremente. - Pelo menos, não somos livres e autónomos quando seguimos apenas os nossos instintos. - Podemos fazer-nos escravos de tudo. Sim, podemos inclusivamente ser escravos do nosso próprio egoísmo. Para nos elevarmos acima dos nossos instintos e vícios é necessário autonomia - e liberdade.
- E quanto aos animais? Eles seguem só os seus instintos e necessidades. Não têm essa liberdade de seguir uma lei moral?

- Não, é justamente esta liberdade que nos torna seres humanos. - Estou a ver. “

Jostein Gaarder, “ O Mundo de Sofia” p.296/297

segunda-feira, 15 de março de 2021

Três ideias sobre os valores morais. Correção do exercício.





Pedro: Pela minha parte, acho que ao dizer que o João é honesto estou a transmitir um sentimento de agrado mas também estou a dizer uma verdade. Estou a descrever o tipo de sentimento que tenho pelo João. Não é um sentimento qualquer. É um sentimento favorável ao João. Julgo que sim. Ao dizer que o João é honesto é como se estivesse a falar também de mim próprio, da minha experiência interior (dos meus sentimentos). Estou a descrever o que sinto. Uma pessoa que diga “A eutanásia é injusta” está apenas a dizer algo como “Não gosto que a eutanásia seja aplicada”, ou seja, está apenas a descrever o que sente, que tem sentimentos negativos acerca da eutanásia. E se estiver a ser sincera, isso é verdade. Mas uma pessoa que diga “Permitir a eutanásia é uma questão de justiça” também estaria a falar apenas dos seus sentimentos. Neste caso, estaria a dizer que tem um sentimento positivo em relação à eutanásia. Como a primeira, se estiver a ser sincera, é verdade o que diz.
Qual é a posição do Pedro acerca dos valores? Justifique

A posição do Pedro é subjetivista acerca dos valores porque defende que os nossos juízos morais como “O João é honesto” traduzem o sentimento de agrado ou desagrado em relação às ações realizadas pelo João, é verdadeiro em relação ao sentimento do sujeito que julga, mas ele está a descrever um estado de espírito seu e não uma verdade universal acerca do João, outros sujeitos podem ter um outro sentimento, logo, outro juízo moral acerca das ações do João.



Joana: Não. Acredito na existência de verdades morais como acredito que a Terra é redonda. Os valores morais não podem depender, em caso algum, apenas do ponto de vista de cada pessoa ou cultura. As pessoas, como eu, que acreditam em verdades morais objetivas acham que certas práticas são tão odiosas e repugnantes que apenas os preconceitos de certas sociedades permitem que as pessoas não reparem nisso. Mas, se formos além do que a maioria das pessoas pensa, se usarmos a nossa própria razão e sentido crítico, poderemos ver que essas práticas estão erradas. Não estão erradas apenas para mim. Estão mesmo erradas. 
A Joana concorda com o Pedro? Justifique
 Não, a Joana não concorda com o Pedro, ela considera que os nossos juízos morais não dependem do que o sujeito sente, ela considera que há ações moralmente corretas ou incorretas, se há divergência acerca do valor moral das ações é porque alguns sujeitos não querem ver, estão inseridos numa certa cultura que não os deixa julgar bem, têm preconceitos e por isso julgam mal.  As ações são boas ou más por si e não dependem do que os sujeitos julga. Para a Joana um juízo moral é como um juízo de facto, tem valor de verdade, como por exemplo “A terra é redonda”. Os juízos morais dependem do conhecimento e não da opinião.



Fernando: Dá exemplos.
Joana: A excisão, por exemplo. A mutilação do clítoris que certos povos africanos têm o hábito de fazer às raparigas. Eu penso que é profundamente errado fazer isso, pensem essas pessoas o que pensarem.
Fernando: Pelos nossos padrões culturais, sem dúvida. Esse ato repugna profundamente a minha sensibilidade. Mas não acho que apenas o preconceito impeça esses povos de verem o que a mim parece razoável. A minha ideia do que é racional ou razoável nesta situação depende da forma como a minha sensibilidade foi educada, depende dos costumes a que fui assistindo e daquilo que a sociedade me diz que é correto ou incorreto. A razão reflete o modo como os nossos valores e práticas culturais moldaram a nossa forma de sentir.
Joana: Eu gostaria que a excisão deixasse se existir. Todas essas práticas só criam sofrimento inútil.

Que opinião tem o Fernando sobre os valores?  
O Fernando defende que não há um padrão que permita julgar de forma imparcial as acções morais, pois cada um está dentro de uma cultura e julga segundo os valores da sua cultura. Os valores morais são, para o Fernando, relativos à cultura de cada um e só são verdadeiros para essa cultura, para outra podem ser falsos. Os juízos morais dependem da nossa educação e esta é moldada pela cultura onde nos inserimos.



Como se chama a essa perspectiva? Chama-se relativista cultural e moral.



Qual a objeção que a Joana coloca?

 A Joana coloca a objeção de não termos que concordar com todas as práticas de outras culturas, porque há certas práticas como a excisão que são moralmente condenáveis, seja qual for a cultura, a razão que ela dá é o sofrimento inútil que certas práticas culturalmente aceites provocam sobre certas pessoas.