terça-feira, 25 de maio de 2021

Texto para resumo Rodrigo

A teoria de Rawls constitui, em grande parte, uma reacção ao utilitarismo clássico. De acordo com esta teoria, se uma acção maximiza a felicidade, não importa se a felicidade é distribuída de maneira igual ou desigual. Grandes desníveis entre ricos e pobres parecem em princípio justificados. Mas na prática o utilitarismo prefere uma distribuição mais igual. Assim, se uma família ganha 5 mil euros por mês e outra 500, o bem-estar da família rica não diminuirá se 500 euros do seu rendimento forem transferidos para a família pobre, mas o bem-estar desta última aumentará substancialmente. Isto compreende-se porque, a partir de certa altura, a utilidade marginal do dinheiro diminui à medida que este aumenta. (Chama-se "utilidade marginal" ao benefício comparativo que se obtém de algo, por oposição ao benefício bruto: achar uma nota de 100 euros representa menos benefício para quem ganha 20 mil euros por mês do que para quem ganha apenas 500 euros por mês.) Deste modo, uma determinada quantidade de riqueza produzirá mais felicidade do que infelicidade se for retirada dos ricos para dar aos pobres. Tudo isto parece muito sensato, mas deixa Rawls insatisfeito. Ainda que o utilitarismo conduza a juízos correctos acerca da igualdade, Rawls pensa que o utilitarismo comete o erro de não atribuir valor intrínseco à igualdade, mas apenas valor instrumental. Isto quer dizer que a igualdade não é boa em si — é boa apenas porque produz a maior felicidade total.
Por consequência, o ponto de partida de Rawls terá de ser bastante diferente. Rawls parte então de uma concepção geral de justiça que se baseia na seguinte ideia: todos os bens sociais primários — liberdades, oportunidades, riqueza, rendimento e as bases sociais da auto-estima (um conceito impreciso) — devem ser distribuídos de maneira igual a menos que uma distribuição desigual de alguns ou de todos estes bens beneficie os menos favorecidos. A subtileza é que tratar as pessoas como iguais não implica remover todas as desigualdades, mas apenas aquelas que trazem desvantagens para alguém. Se dar mais dinheiro a uma pessoa do que a outra promove mais os interesses de ambas do que simplesmente dar-lhes a mesma quantidade de dinheiro, então uma consideração igualitária dos interesses não proíbe essa desigualdade. Por exemplo, pode ser preciso pagar mais dinheiro aos professores para os incentivar a estudar durante mais tempo, diminuindo assim a taxa de reprovações. As desigualdades serão proibidas se diminuírem a tua parte igual de bens sociais primários. Se aplicarmos este raciocínio aos menos favorecidos, estes ficam com a possibilidade de vetar as desigualdades que sacrificam e não promovem os seus interesses.
Mas esta concepção geral ainda não é uma teoria da justiça satisfatória. A razão é que a ideia em que se baseia não impede a existência de conflitos entre os vários bens sociais distribuídos. Por exemplo, se uma sociedade garantir um determinado rendimento a desempregados que tenham uma escolaridade baixa, criará uma desigualdade de oportunidades se ao mesmo tempo não permitir a essas pessoas a possibilidade de completarem a escolaridade básica. Há neste caso um conflito entre dois bens sociais, o rendimento e a igualdade de oportunidades. Outro exemplo é este: se uma sociedade garantir o acesso a uma determinada escolaridade a todos os seus cidadãos e ao mesmo tempo exigir que essa escolaridade seja assegurada por uma escola da área de residência, no caso de uma pessoa preferir uma escola fora da sua área de residência por ser mais competente e estimulante, gera-se um conflito entre a igualdade de oportunidades no acesso à educação e a liberdade de escolher a escola que cada um acha melhor.

Faustino Vaz

 

Texto para resumo Nuno 10B

Na teoria da justiça como equidade, a posição da igualdade original corresponde ao estado natural na teoria tradicional do contrato social. Esta posição original não é, evidentemente, concebida como uma situação histórica concreta, muito menos como um estado cultural primitivo. Deve ser vista como uma situação puramente hipotética, caracterizada de forma a conduzir a uma certa concepção da justiça . Entre essas características essenciais está o facto de que ninguém conhece a sua posição na sociedade, a sua situação de classe ou estatuto social, bem como a parte que lhe cabe na distribuição dos atributos e talentos naturais, como a sua inteligência, a sua força e mais qualidades semelhantes. Parto inclusivamente do princípio de que as partes desconhecem as suas concepções do bem ou as suas tendências psicológicas particulares. Os princípios da justiça são escolhidos a coberto de um véu de ignorância. Assim se garante que ninguém é beneficiado ou prejudicado na escolha daqueles princípios pelos resultados do acaso natural ou pela contingência das circunstâncias sociais. Uma vez que todos os participantes estão em situação semelhante e que ninguém está em posição de designar princípios que beneficiem a sua situação particular, os princípios da justiça são o resultado de um acordo ou negociação equitativa. (…) Pode dizer-se que a posição original constitui o statu quo inicial adequado, pelo que os acordos fundamentais estabelecidos em tal situação são equitativos. Isto explica a propriedade da designação «justiça como equidade»: ela transmite a ideia de que o acordo sobre os princípios da justiça é alcançado numa situação inicial que é equitativa. Não decorre daqui que os conceitos de justiça e de equidade sejam idênticos, tal como também não decorre da frase «a poesia como metáfora» que os conceitos de poesia e de metáfora o sejam.

 John Rawls, Uma Teoria da Justiça

domingo, 23 de maio de 2021

Texto para resumo Muni 10B

A justiça é a virtude primeira das instituições sociais, tal como a verdade o é para os sistemas de pensamnto. Uma teoria, por mais elegante ou parcimoniosa que seja, deve ser rejeitada ou alterada se não for verdadeira; da mesma forma, as leis e instituições, apesar de poderem ser eficazes e bem concebidas, devem ser reformadas ou abolidas se forem injustas. Cada pessoa beneficia de uma inviolabilidade que decorre da justiça, a qual nem sequer em benefício do bem-estar da sociedade como um todo poderá ser eliminada. Por esta razão, a justiça impede que alguns percam a liberdade para outros passarem a partilhar um bem maior. Não permite que os sacrifícios impostos a uns poucos sejam compensados pelo aumento das vantagens usufruídas por um maior número. Assim, numa sociedade justa, a igualdade de liberdade e direitos entre os cidadãos é considerada definitiva.
(...)
Na teoria da justiça como equidade, a posição da igualdade original corresponde ao estado de natureza na teoria tradicional do contrato social.Esta posição original não é, evidentemente, concebida como uma situação histórica concreta, muito menos como um estado cultural primitivo. Deve ser vista como uma situação puramente hipotética, caracterizada de forma a conduzir a uma certa concepção da justiça. Entre as características essenciais está o facto de que ninguém conhece a sua posição na sociedade, a sua situação de classe ou estatuto social, bem como a parte que lhe cabe na distribuição de atributos e talentos naturais, como a sua inteligência, a sua força e outras qualidades semelhantes. Parto inclusivamente do princípio de que as partes desconhecem as suas concepções do bem e as suas tendências psicológicas particulares. Os princípios da justiça são escolhidos a coberto de um véu de ignorância. Assim se garante que ninguém é beneficiado ou prejudicado na escolha daqueles princípios pelos resultados do acaso natural ou pela contingência das circunstâncias sociais. Uma vez que todos os participantes estão numa situação semelhante e que ninguém está em posição de designar princípios que beneficiem a sua situação particular, os princípios da justiça são o resultado de um acordo ou negociação equitativa, (...) isto justifica a designação "justiça como equidade": transmite a ideia de que o acordo sobre os princípios da justiça é alcançado numa situação inicial que é equitativa.

John Rawls, Uma Teoria da justiça in Textos e problemas de Filosofia

terça-feira, 18 de maio de 2021

Texto para resumo Márcio Milisse 10B


Rawls (…) parte do pressuposto de que a desigualdade é inerente à condição do homem em sociedade, e que o homem é intrinsecamente auto interessado, um “egoísta racional”. Ainda assim, julga, pode superar essa condição ao associar-se a outros para estabelecer os princípios da vida em comum. Para que a escolha dos princípios não seja distorcida por esses interesses, essa escolha efetua-se por trás de um “véu de ignorância”, os agentes ignoram a sua posição atual bem como as suas chances futuras na sociedade, assim como as dos demais. A essa situação chama de “posição original”.

Uma vez escolhidos os princípios para essa sociedade, que são, argumenta, o “princípio da liberdade igual para todos” e o “princípio da diferença”, caberá a cada sociedade, no plano doméstico, deliberar sobre a forma de pôr em prática esses princípios

A igualdade de oportunidades só pode ser efetiva se todos beneficiarem das mesmas condições formais de educação, saúde e alimentação, dentre outros bens primários. Caso todos possuam acesso pelo menos aos bens básicos, a condição inicial será justa. Isso não significa que não haja mais desigualdade, mas essa desigualdade será pelo menos aceitável para os que se encontram na base da pirâmide social, que é o enunciado do princípio da diferença. (…)

A teoria da justiça como equidade não constitui um igualitarismo rasteiro. Trata-se de mexer na distribuição da riqueza até o ponto em que se possa fazê-lo sem afetar a renda da sociedade como um todo, o que é conhecido como o princípio maximin. Este defende que se pode elevar a renda e as condições de vida dos que têm menos, ao mesmo tempo que se taxa progressivamente (ou por meio de um imposto de consumo) a renda dos que têm mais, até o ponto em que uma maior alteração afetaria negativamente as condições económicas da sociedade em geral. Em linguagem mais simples, quer dizer que a desigualdade se justifica se e somente se aqueles que estão na parte mais baixa da pirâmide são mais beneficiados pela presente repartição (desigual) de bens e oportunidades do que seriam se o sistema fosse mais igualitário.

A teoria de John Rawls foi uma das mais lúcidas contribuições no campo da filosofia política no século XX, justificando a afirmação de Robert Nozick: “A partir de John Rawls, e da sua obra Uma Teoria da Justiça [1971], o filósofo político tem de trabalhar no âmbito da sua teoria, ou então explicar por que não o faz”. Rawls teve a coragem de abandonar a metafísica, em opção decidida pela política, em nome do consenso. Se sua teoria fosse aceite, dar-se-ia por satisfeito. E temos elementos para pensar que isso tem acontecido e tem tudo para continuar a acontecer.

Os princípios de Rawls

Estes são os dois princípios de Rawls, tais como aparecem na sua última formulação: “Cada pessoa tem o mesmo direito irrevogável a um esquema plenamente adequado de liberdades básicas iguais que seja compatível com o mesmo esquema de liberdades para todos.”

“As desigualdades sociais e económicas devem satisfazer duas condições: primeiro, devem estar vinculadas a cargos e posições acessíveis a todos em condições de igualdade equitativa de oportunidades; e, em segundo lugar, têm de beneficiar ao máximo os membros menos favorecidos da sociedade (o princípio da diferença).”

(Rawls, Justiça como equidade. Trad.: Claudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2003).

Luiz Paulo Rouanet

 

quinta-feira, 13 de maio de 2021

Análise dos argumentos na lógica informal


Logica informal from https://www.slideshare.net/helenaserrao" target="_blank">Helena Serrão

Texto para resumo Leonor Castelão


Imagine que tem de criar uma sociedade nova e melhor. Uma das perguntas a fazer poderia ser “Quem fica com o quê?”. Se você mora numa bela mansão com piscina e empregados e tem um jato particular pronto para levá-lo a uma ilha tropical, provavelmente imagina um mundo em que algumas pessoas são muito ricas – talvez as que trabalharam mais – e outra são muito mais pobres. Se está a viver na pobreza agora, provavelmente pensará numa sociedade em que ninguém pode ser milionário, uma sociedade em que todos ganham uma parcela igual do que está disponível: jatos particulares não são permitidos, mas há melhores chances para as pessoas desafortunadas. A natureza humana é assim: as pessoas tendem a pensar na sua posição quando descrevem um mundo melhor, quer percebam isso ou não. Esses prejuízos e preconceitos distorcem o pensamento político. A ideia brilhante de Rawls foi criar uma experiência mental – a que ele chamou de “a posição original” – que subestima alguns dos preconceitos egoístas que temos. A ideia central é bastante simples: criar uma sociedade melhor, mas sem saber qual a posição que irá ocupar nessa sociedade. Não sabe se será rico, pobre, deficiente, de boa aparência, homem, mulher, feio, burro ou inteligente, talentoso ou sem habilidades, homossexual, bissexual ou heterossexual. Ele acredita que, desse modo, você escolherá princípios mais justos por trás desse imaginário “véu da ignorância”, pois não sabe em qual posição estaria ou que tipo de pessoa seria. A partir desse simples recurso de escolher sem saber o seu próprio lugar, Rawls desenvolveu sua teoria da justiça. Tal teoria era baseada em dois princípios: liberdade e igualdade. Ele acreditava que ambos seriam aceites por qualquer pessoa razoável. O primeiro princípio era o da liberdade. Segundo ele, todas as pessoas deveriam ter o direito a uma margem de liberdades básicas que não lhes pudessem ser tiradas, como a liberdade de crença, do voto nos líderes e a ampla liberdade de expressão. Mesmo que restringir algumas dessas liberdades melhorasse a vida da maioria das pessoas, Rawls acreditava que elas eram tão importantes que deveriam ser protegidas acima de tudo. Como todos os liberais, Rawls atribuía um alto valor a essas liberdades básicas, que deveriam ser um direito de todos, um direito que ninguém poderia tirar a ninguém. O segundo princípio de Rawls, o princípio da diferença, trata da igualdade. A sociedade deveria ser organizada para dar oportunidades e riquezas mais iguais para os mais desfavorecidos. Se as pessoas recebessem diferentes quantidades de dinheiro, essa desigualdade só seria permitida se ajudasse diretamente os que mais precisavam. Um banqueiro só pode ganhar 10 mil vezes mais do que o trabalhador que ganha menos se este  beneficiar diretamente e receber uma quantidade maior de dinheiro que não teria se o banqueiro recebesse menos. Se Rawls estivesse no governo, ninguém ganharia prémios altos, exceto se os mais pobres ganhassem mais dinheiro como resultado. Rawls acredita que esse é o tipo de mundo que as pessoas razoáveis escolheriam se não soubessem se seriam pobres ou ricas.

Nigel Warburton, Uma breve história da Filosofia

segunda-feira, 10 de maio de 2021

John Rawls - O véu da ignorância

quinta-feira, 6 de maio de 2021

Texto para resumo Jean Oliveira10B

 Imagem do grande Leviatã


 É certo que há algumas criaturas vivas, como as abelhas e as formigas, que vivem sociavelmente umas com as outras (e por isso são contadas por Aristóteles entre as criaturas políticas), sem outra direção senão seus juízos e apetites particulares, nem linguagem através da qual possam indicar umas às outras o que consideram adequado para o beneficio comum. Assim, talvez haja alguém interessado em saber por que a humanidade não pode fazer o mesmo. Ao que tenho a responder o seguinte. Primeiro, que os homens estão constantemente envolvidos numa competição pela honra e pela dignidade, o que não ocorre no caso dessas criaturas. E é devido a isso que surgem entre os homens a inveja e o ódio, e finalmente a guerra, ao passo que entre aquelas criaturas tal não acontece.Segundo, que entre essas criaturas não há diferença entre o bem comum e o bem individual e, dado que por natureza tendem para o bem individual, acabam por promover o bem comum. Mas o homem só encontra felicidade na comparação com os outros homens, e só pode tirar prazer do que é eminente. Terceiro, que, como essas criaturas não possuem (ao contrário do homem) o uso da razão, elas não vêem nem julgam ver qualquer erro na administração de sua existência comum. Ao passo que entre os homens são em grande número os que se julgam mais sábios, e mais capacitados que os outros para o exercício do poder público. E esses esforçam-se por empreender reformas e inovações, uns de uma maneira e outros doutra, acabando assim por levar o país à desordem e à guerra civil.Quarto, que essas criaturas, embora sejam capazes de um certo uso da voz, para dar a conhecer umas às outras seus desejos e outras afecções, apesar disso carecem daquela arte das palavras mediante a qual alguns homens são capazes de apresentar aos outros o que é bom sob a aparência do mal, e o que é mau sob a aparência do bem; ou então aumentando ou diminuindo a importância visível do bem ou do mal, semeando o descontentamento entre os homens e perturbando a seu bel-prazer a paz em que os outros vivem. Quinto, as criaturas irracionais são incapazes de distinguir entre injúria e dano, e consequentemente basta que estejam satisfeitas para nunca se ofenderem com os seus semelhantes. Ao passo que o homem é tanto mais implicativo quanto mais satisfeito se sente, pois é neste caso que tende mais para exibir a sua sabedoria e para controlar as ações dos que governam o Estado. Por último, o acordo vigente entre essas criaturas é natural, ao passo que o dos homens surge apenas através de um pacto, isto é, artificialmente. Portanto não é de admirar que seja necessária alguma coisa mais, além de um pacto, para tornar constante e duradouro o seu acordo: ou seja, um poder comum que os mantenha em respeito, e que dirija as suas ações no sentido do beneficio comum.

 A única maneira de instituir um tal poder comum, capaz de defendê-los das invasões dos estrangeiros e das injúrias uns dos outros, garantindo-lhes assim uma segurança suficiente para que, mediante seu próprio labor e graças aos frutos da terra, possam alimentar-se e viver satisfeitos, é conferir toda sua força e poder a um homem, ou a uma assembleia de homens, que possa reduzir as suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade. O que equivale a dizer: designar um homem ou uma assembleia de homens como representante das suas pessoas, considerando-se e reconhecendo-se cada um como autor de todos os actos que aquele que representa a  sua pessoa praticar ou levar a praticar, em tudo o que disser respeito à paz e segurança comuns; todos submetendo assim as suas vontades à vontade do representante, e as suas decisões à sua decisão. Isto é mais do que consentimento, ou concórdia, é uma verdadeira unidade de todos eles, numa só e mesma pessoa, realizada por um pacto de cada homem com todos os homens, de um modo que é como se cada homem dissesse a cada homem: Cedo e transfiro o meu direito de governar-me a mim mesmo a este homem, ou a esta assembleia de homens, com a condição de transferires a ele o teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações. Feito isto, à multidão assim unida numa só pessoa se chama Estado, em latim civitas.
É esta a geração daquele grande Leviatã, ou antes (para falar em termos mais reverentes) daquele Deus Mortal, ao qual devemos, abaixo do Deus Imortal, a nossa paz e defesa. Pois graças a esta autoridade que lhe é dada por cada indivíduo no Estado, é-lhe conferido o uso de tamanho poder e força que o terror assim inspirado o torna capaz de conformar as vontades de todos eles, no sentido da paz no seu próprio país, e ajuda mútua contra os inimigos estrangeiros. É nele que consiste a essência do estado, a qual pode ser assim definida: Uma pessoa de cujos actos uma grande multidão, mediante pactos recíprocos uns com os outros, foi instituída por cada um como autora, de modo a poder usar a força e os recursos de todos, da maneira que considerar conveniente, para assegurar a paz e a defesa comum. Àquele que é portador dessa pessoa se chama soberano, e dele se diz que possui poder soberano.Todos os restantes são súbditos.
Tradução de João Paulo Monteiro.
Thomas Hobbes, Leviatã, p.59,60, 61

segunda-feira, 3 de maio de 2021

Critérios de correção teste Abril 2021

 




1.  «Os austríacos gostam de valsa; já a maior parte dos brasileiros gosta de samba. Em relação ao desporto,  os canadianos, por exemplo, preferem o hóquei no gelo, ao passo que muitos portugueses apreciam o hóquei em patins. A verdade é que cada povo tem tendência a apreciar mais o que faz parte da sua cultura. Contudo, o hóquei em patins é mais bonito do que o hóquei no gelo.»

 No texto anterior é expresso, de forma inequívoca, um único juízo de valor. Identifique-o e justifique a  identificação feita. Explicite o que distingue as afirmações de facto das de valor. Exemplifique um juízo de facto e um juízo de valor estético.

Resposta:

Juízo de valor presente no texto: “ O hóquei em patins é mais bonito que o hóquei no gelo”

Explicação: Um juízo de valor faz uma apreciação de determinado objeto, ação ou sujeito. Não tem valor de verdade pois exprime uma opinião subjetiva de acordo com gostos e valores do sujeito que o faz e também porque não há uma verdade sobre um juízo de valor (exceto para os objetivistas dos valores. Este juízo é normativo uma vez que nos diz algo que o sujeito gostaria que fosse norma para todos. O juízo de facto, pelo contrário, descreve uma realidade e tem valor de verdade, pode ser verdadeiro ou falso consoante está ou não de acordo com essa realidade que descreve. Exemplos: Juízo de valor estético” Rembrant é um pintor tecnicamente perfeito”, exemplo de juízo de facto “Rembrant é um pintor do século XVIII”.

2.  Leia o texto seguinte.

Ser caritativo quando se pode sê-lo é um dever, e há, além disso, muitas almas de disposição tão compassiva que, mesmo sem nenhum outro motivo de vaidade ou interesse pessoal, acham íntimo prazer em espalhar alegria à sua volta e podem alegrar-se com o contentamento dos outros, enquanto este é obra sua. Eu afirmo porém que, neste caso, uma ação destetipo,  ainda que seja conforme ao dever, ainda que seja amável, não tem qualquer verdadeiro valor moral […].  

Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Lisboa, Edições 70, 1988, p. 28 (adaptado)

 

Por que razão Kant afirma que o tipo de ação descrito no texto anterior não tem valor moral? Justifique a sua resposta com o critério proposto por Kant para uma ação moral, distinguindo ações conforme ao dever e por dever

 

2. Resposta:

Ações por dever são aquelas que obedecem ao imperativo categórico, a sua finalidade única é cumprir a lei que a razão a si mesma impõe, isto é o dever, logo são isentas de interesse ou da necessidade do agente. Essas são ações com valor moral. Ações conforme ao dever seguem a norma social, são ações legais mas não são morais porque a vontade do agente é movida por um qualquer interesse ou sentimento como retirar um proveito ou pelo medo das consequências. Ações contra o dever, não seguem a lei moral nem a norma social, não seguem qualquer norma e são comandadas por um interesse ou sentimento momentâneo do agente. A ação descrita no texto pode ser avaliada de acordo com as intenções do agente, este quer dar prazer e alegria nos que estão à sua volta, assim a intenção do agente e a sua vontade estão condicionadas por inclinações e sentimentos embora sem intenções egoístas a intenção do agente não é subordinada ao dever, e a sua vontade não é uma boa vontade, isto é uma vontade incondicionada, que não quer mais nada senão obedecer ao dever e à lei moral, isto é ao imperativo categórico. A ação resulta de um imperativo hipotético, isto é, tem como intenção alcançar um fim exterior à ação, de que esta é apenas um meio, ora a ação moral é um fim em sim, não um meio para alcançar um outro fim exterior a ela.

 

3. A investigação ética/moral distribui-se por várias áreas. Explique esta afirmação definindo as várias áreas de investigação ética e dando exemplos dos problemas que cada uma das áreas trata.

 

Resposta:

A ética e a moral tratam ambas de estabelecer os princípios de uma ação correta, bem como do modo como devemos agir socialmente, perante os outros, nós próprios e as instituições. Dividem-se em três áreas de investigação, reflexão e discussão:

1. Ética prática,  investiga os problemas éticos que a sociedade enfrenta num dado momento histórico, como por exemplo: Terá legitimidade ética e moral a legalização da Eutanásia?
2. A Ética Normativa,  investiga as condições e princípios que têm de ocorrer para considerar boa uma ação, ou qual a utilidade e finalidade da ética, ou ainda as condições para que uma ação seja correta do ponto de vista ético. Estabelece as normas (regras/condições) da ação correta.Exemplo: Ética deontológica e a Ética Utilitarista
3. A Metaética que investiga a natureza e a origem dos valores e juízos éticos/morais Exemplo: O relativismo, objetivismo e subjetivismo dos juízos éticos/morais.

 

4. É um facto que há diferenças culturais e que há pessoas com opiniões muito diferentes em relação a valores. Será que este facto mostra que não há valores objetivos, que nada tem valor intrínseco?

Na sua resposta, deve: ‒ identificar inequivocamente a perspetiva que defende; ‒ argumentar a favor da perspetiva que defende ; colocar objeções às teorias contrárias.

Resposta:

Diz-se que algo tem valor intrínseco quando tem valor por si, independentemente das opiniões. Diz-se das coisas, ações ou pessoas que valem como um fim e não podem ser um meio, ou seja, um instrumento para alcançar outras coisas além delas. Diz-se que algo tem valor extrínseco quando esse valor é exterior, não reside na própria coisa, ação ou pessoa mas em algo exterior ou uma circunstância exterior que essa ação, pessoa ou coisa nos permite alcançar. Assim uma enxada tem valor extrínseco, porque só tem valor na medida e que temos que lavrar um campo, e não tem valor se estivermos no nosso apartamento. A pessoa, pelo contrário tem valor em qualquer circunstância e não pode ser um meio para atingir um fim.

A posição que defende que os valores são subjetivos defende que estes dependem do sujeito que aprecia, logo não há valores intrínsecos, nada tem valor intrínseco, sendo o valor o resultado de uma apreciação subjetiva, isto é dada por alguém num certo momento histórico e num certo contexto. Os subjetivistas defendem que há sempre um sujeito que confere valor, daí que o valor das coisas, ações ou pessoas depende das preferências, circunstâncias e gostos de alguém particular. Tem a seu favor o facto de não haver acordo de opiniões acerca do que é correto fazer-se em cada situação particular, ou na apreciação de qualquer obra. Argumento da diversidade de opiniões. Enfrenta a objeção de, quanto aos valores morais, poder-se justificar moralmente certas ações indesejáveis.

AS TEORIAS OBJECTIVISTAS postulam que quando atribuímos valor a uma obra, ação ou pessoa, esse valor faz parte da natureza da obra, ação ou pessoa, o avaliador não lhe dá o valor, apenas reconhece o seu valor, isto é, reconhece as suas qualidades. As qualidades são objetivas e intrínsecas ao valor e ao objeto. Argumentos a favor: A concordância em relação a certas práticas culturais e princípios, como a carta universal dos direitos humanos.
O relativista defende que os valores e a sua aplicação dependem das culturas, assim não há juízos morais neutros ou imparciais, nenhuma cultura é superior a outra de modo a poder julgar pois cada juízo revela a forma de pensar de uma cultura específica. Cada cultura tem o seu padrão de valores, reconhece a sua hierarquia e aplica os valores de forma diferente, tendo a sua própria conceção do que é belo, feio, correto ou incorreto.

O facto de nos confrontarmos com a história de diferentes culturas com diferentes costumes e práticas, leva-nos à conclusão de que a diversidade de culturas tem diferentes conceções do que é certo e errado. Poderemos então pensar que os valores são dependentes das convenções culturais e que não há valores de melhor e pior, isto é não há valores morais objetivos, independentes das diferentes culturas. Esta posição, embora promova a tolerância e o respeito pela diversidade, não inclui nem explica o progresso moral. Há certas práticas que foram consideradas cruéis e desumanas e, por isso, foram abandonadas. Nem tudo o que é aceite por uma cultura é bom, essa posição não implica o desrespeito pela diversidade mas apenas condena certas práticas - um argumento contra os relativistas morais é a possibilidade de as culturas evoluírem e de, haver mesmo no seio das sociedades, pessoas que não concordam e que lutam por melhores condições.

O aluno teria que explicitar uma destas teorias e defendê-la com argumentos.

Grupo 3

Imagine a seguinte situação de um dilema moral:

Imagina uma cidade onde ocorre um crime que deixa a cidade revoltada e a exigir vingança. O polícia encarregue da investigação não tem qualquer pista, e encontra-se sem auxiliares, a população enfurecida vai fazer o linchamento público de um idiota com problemas mentais que já esteve preso por agressão e que todos pensam que é o culpado. Que deve fazer o polícia? Deixar que executem alguém que não se sabe se é inocente ou culpado ou impedir a sua execução e sofrer uma revolta popular que ameaça matar mais pessoas e põe em risco a sua vida?

Linchamento: Quando a população julga e mata alguém sem que essa pessoa vá a tribunal.

1. Avalie criticamente a situação segundo os princípios da ética deontológica de Kant e da ética utilitarista de Stuart Mill. Com qual das perspetivas concorda? Porquê? Fundamente a sua tese com argumentos.

 

Comparação das perspetivas de Kant e de Stuart Mill relativamente ao critério de avaliação das ações morais:

Para Kant, as ações são más ou boas em si mesmas, independentemente das suas consequências práticas ou materiais. Só a vontade é boa, pois só ela pode ser controlada pelo agente, as consequências não estão no domínio do agente, logo não contam para determinar o valor moral da ação. A avaliação é feita "a priori", isto é, independente da experiência. Para Stuart Mill não há ações boas ou más em si mesmas, e a intenção com que são praticadas é irrelevante. As consequências são o único critério relevante para apreciar o valor moral das ações. Porque a ação moral visa assegurar um bem maior para todos os que estão ao seu alcance e não apenas para o agente. Daí que toda a avaliação moral seja "a posteriori".

 Comparação de Kant e de Stuart Mill relativamente ao princípio supremo da moralidade

Para Kant o imperativo categórico é o princípio supremo da moralidade. Este determina que devemos agir somente de acordo com máximas universalizáveis

Para Stuart Mill a moralidade deve fundamentar-se no princípio de utilidade que afirma que são boas as ações que tendem a promover de forma estritamente imparcial a felicidade do maior número possível de indivíduos.

Aplicando estas normas para avaliar a situação presente no texto, diríamos que linchar o “idiota” poderia ser uma ação correta do ponto de vista da moral utilitarista porque possibilitaria acalmar a população e impedir um tumulto que poderia trazer mais mortes, mais sofrimento, seria um mal menor.

Por outro lado, matar alguém que não se sabe se é inocente ou culpado é utilizar uma pessoa como meio para atingir um fim o que para Kant iria contra a segunda formulação do imperativo categórico, formulação da humanidade: “"Age de tal forma que uses a humanidade, tanto na tua pessoa, como na pessoa de qualquer outro, sempre e ao mesmo tempo como fim e nunca simplesmente como meio.