terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Resumo Maria Simões 10I




Pintura Gerhard Richter

Existe outra perspetiva possível, completamente oposta a quase tudo o que temos vindo a dizer. Algumas pessoas pensam que a responsabilidade pelas nossas ações requer que elas sejam determinadas, em vez de requerer que não o sejam. O que se afirma é que para que uma ação seja algo que tenhas feito tem de ser produzida por certos tipos de causas em ti. Por exemplo, quando escolheste o bolo de chocolate, isso foi algo que fizeste, e não algo que se limitou a acontecer, porque preferiste comer um bolo de chocolate a comer um pêssego. Porque o teu apetite por bolo de chocolate nessa altura era mais forte do que o teu desejo de evitares ganhar peso, o resultado foi teres escolhido o bolo. No caso de outras ações, a explicação psicológica será mais complexa, mas haverá sempre uma - caso contrário, a ação não seria tua. Esta explicação parece querer dizer que aquilo que fizeste estava, afinal, determinado à partida. Se não tivesse determinado por nada, seria apenas um acontecimento por explicar, algo que teria acontecido a partir do nada, em vez de algo que tivesses feito.

De acordo com esta posição, a determinação causal, por si só, não ameaça a liberdade – só um certo tipo de causa o faz. Se pegasses no bolo porque alguém te tinha obrigado, então a escolha não teria sido livre. Mas a ação livre não requer de modo algum que não haja uma causa determinante: quer antes dizer que a causa tem de ser de um certo tipo psicológico que nos é familiar.

Por mim, não posso aceitar esta solução. Se pensasse que tudo o que faço é determinado pelas circunstâncias em que me encontro e pelas minhas condições psicológicas, sentir-me-ia encurralado. E, se pensasse o mesmo de todas as outras pessoas, pensaria que elas eram marionetas. Não faria sentido considerá-las responsáveis pelas suas ações, tal como não consideras responsável um cão, um gato ou mesmo um elevador.

Por outro lado, não tenho a certeza se compreendo como é que a responsabilidade pelas nossas escolhas faz sentido se elas não são determinadas. Não é claro o que quer dizer que eu determino a escolha se nada em mim a determina. Portanto, talvez o sentimento de que podias ter escolhido um pêssego em vez de uma fatia de bolo seja uma ilusão filosófica, que não podia ser correta, fosse qual fosse o caso.

Para evitar esta conclusão, terias de explicar (a) o que quer dizer a afirmação de que podias ter feito outra coisa diferente daquilo que fizeste e (b) como é que tu e o mundo teriam de ser para que isso fosse verdade.>>

Thomas Nagel, O Que Quer Dizer tudo Isto?, Gradiva,

segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Texto para resumo Luís 10I


 “Sempre que possível, Maria irá fazer qualquer coisa diferente daquela que se espera. Se está a decidir se vai de férias na próxima semana e lhe apontarmos todas as razões para o que o faça, incluindo que irá de férias, bem, Maria vai perversamente ficar em casa. ‘Maria, com certeza deves querer tomar uma bebida fresca, está um dia tão quente!’. Qual quê, é bem capaz que vá para um chá a ferver. (...) Maria gosta de ser do contra, para lhe mostrar a si, e a nós, que é livre. Ela é livre de fazer o que quer, por mais irracional que seja. Acha que agir irracionalmente mostra que, ao contrário dos temporizadores, termóstatos e máquinas de fazer chá, possui livre-arbítrio.
Para que possa fazer o contrário propositadamente, Maria precisa que lhe diga o que prevê. Se previr que vai agir de uma forma, e lho disser, ela vai fazer o oposto. (...)
Muitos filósofos (...) acreditam que os nossos atos acabam por ser causados e determinados por fatores externos. (...) Estes fatores incluem as nossas características genéticas, o condicionamento próprio do nosso crescimento, a cultura na qual vivemos – e impactes diretos do ambiente sobre os nossos sentidos. De uma forma ou de outra, suscitam os nossos desejos, o que dizemos, os nossos movimentos e muito mais; por isso, é extremamente difícil encontrar algum espaço para aquilo que é costume pensar-se como livre-arbítrio ou liberdade de escolha. Em resumo, o que fazemos é determinado pela nossa natureza e criação, nenhuma das qual sendo escolhida por nós.
Um pouco mais detalhadamente, as ações de Maria – os movimentos que ela faz, as palavras que profere – são causadas por alterações eletromecânicas no seu cérebro, que por sua vez são causadas por outras alterações eletromecânicas e impactes através dos sentidos e por aí fora. Se os cientistas soubessem tudo sobre os genes, a maneira como os cérebros funcionam e como são afetados pelo ambiente e sobre as circunstâncias específicas de Maria, eles prediriam tudo o que Maria, mesmo Maria no modo contrário, faria. (...) Isto poderia parecer demonstrar que Maria não é livre e, de facto, não o é, quer alguém se dê ou não ao trabalho de fazer previsões.
Mas.. mas.. mas.. Será que não se mantém a seguinte possibilidade? Se os cientistas fizessem as suas previsões e se Maria soubesse o que eles previam, não era livre para decidir não o fazer? Se eles previam que ia escolher o vestido vermelho, ela podia optar por tornar a previsão deles falsa. Escolhia o azul.”

Peter Cave (2008). Duas vidas valem mais que uma? Academia do Livro, pp. 73-75.


quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Texto para resumo Diana Rodrigues 10I


Imagem: Sandro Portinari " rapazes a jogar ao eixo"

 “Proponho que chamemos ‘ação’ a um gesto ou pensamento intencionais. Uma ação é um gesto no sentido de um movimento ou de uma deslocação do corpo ou de uma parte dele. (...)

As ações podem ser positivas (o facto de se mover) ou negativas (o facto de não se mover não obstante as solicitações exteriores). Posso decidir atender ou não atender o telefone. Posso decidir ir ou não ir a um encontro. (...) O agir pode coincidir com o facto de nada fazer. (...)

Uma ação não é apenas um gesto ou uma série de gestos. Uma ação é um gesto ou uma série de gestos intencionais, no sentido em que esses gestos ou série de gestos são imputáveis a um agente. Uma ação não é um acontecimento como um tremor de terra ou uma folha morta. A ação, tal como [todo] o acontecimento, gera uma modificação no mundo, mas esta modificação, por muito pequena que seja, jamais será anónima ou cega. Trata-se sempre da ação de alguém. Dizer que uma ação é intencional é também sublinhar que uma ação tem sempre uma finalidade. O agente não age por agir, ele age por ou em vista de qualquer coisa, porque visa um resultado, porque o seu gesto tem um sentido (...). Esse fim ou objetivo está incluído na nossa noção de ação.”


Stéphane Ferret (2007). Aprender com as coisas – Uma iniciação à filosofia. Asa, pp. 84-85.


domingo, 11 de dezembro de 2022

Texto para resumo Diana Teixeira 10I Gustavo 10A

 


"Resta-me falar dos argumentos de autoridade. Este tipo de argumento é principalmente utilizado quando queremos apresentar resultados que não são do domínio geral e que dependem de alguma forma de competência técnica ou de conhecimento especial. Nesses casos, nada melhor do que invocar o que os especialistas na matéria em causa afirmam. A sua forma costuma ser:

X afirma que P.

Logo, P.

Estes argumentos nem sempre são maus. Mas são frequentemente utilizados de forma abusiva. Eis um exemplo de um bom argumento de autoridade:

Carl Sagan diz que há mais estrelas do que grãos de areia em todas as praias da Terra.

Logo, há mais estrelas do que grãos de areia em todas as praias da Terra.

Por que razão é este um bom argumento de autoridade? Porque obedece aos dois critérios seguintes:

  1. A autoridade invocada é reconhecida como tal pelos seus pares;

  2. os especialistas não divergem entre si.

São estes mesmos critérios que tornam falaciosos os argumentos de autoridade em filosofia. Como se sabe, seja qual for o assunto, os filósofos discordam entre si. Por isso, ainda que o critério 1 fosse satisfeito, o critério 2 nunca o seria. Utilizar argumentos de autoridade em filosofia é incorrer numa falácia: a falácia do apelo à autoridade. Contudo, quando, por exemplo, os filósofos enfrentam determinados problemas cuja discussão depende de informação científica disponível, não só podem mas devem apoiar-se naquilo que os especialistas nessa matéria dizem. Mas sempre com o cuidado de referir claramente quando e onde é que o especialista afirmou tal coisa.

Gostaria ainda de referir uma outra falácia que de alguma forma está relacionada com a autoridade de quem argumenta. Só que, neste caso, para a desvalorizar. Essa falácia é conhecida como ad hominem. Em vez de se discutir o argumento, critica-se a pessoa que o produz. Assim se procura combater as ideias atingindo as pessoas que as defendem. Atacar as pessoas em vez das suas ideias é uma falácia, infelizmente muito frequente. Na verdade, mesmo as piores pessoas do mundo podem utilizar bons argumentos. E os argumentos não são bons ou maus consoante as pessoas que os produzem."

Excerto de Aires Almeida, Lógica Informal, disponível em

https://criticanarede.com/filos_loginformal.html


terça-feira, 6 de dezembro de 2022

Relatório/resumo Ernesto 10A e Angelo10I

DIFICULDADES COM A FALÁCIA DO ARGUMENTUM AD HOMiNEM

Uma das falácias mais difíceis de expor e também uma das mais comuns chama-se 'argumentum ad hominem'. Esta designação refere-se a um argumento que é dirigido CONTRA A PESSOA E NÃO CONTRA O QUE A PESSOA DIZ, A FIM DE SE MOSTRAR QUE AQUILO A PESSOA DIZ NÃO PODE SER VERDADEIRO . A política dá-nos muitos exemplos de argumenta ad hominem. Suponhamos que um deputado de um partido de esquerda argumenta: 'É extremamente importante rejeitar a construção de centrais nucleares, pois os efeitos destas são nefastos para o ambiente no longo prazo.' Um deputado de direita poderia responder: 'Oh claro! Não podemos acreditar no que ele diz, pois ele é um homem de esquerda e sabemos que a esquerda está sempre a deitar abaixo o nuclear.' O deputado de direita está a dirigir o seu argumento contra o homem. Tentou refutar o que o deputado de esquerda disse referindo que este é partidário de uma ideologia oposta. Porém, esta refutação é baseada numa falácia, visto que a forma apropriada de refutar um tal argumento consistiria em reunir factos que mostrassem que o que ele disse é falso - nomeadamente, que a construção de centrais não é assim tão nefasta para o ambiente.

O que faz com que o argumentum ad hominem seja tão persuasivo, e tão difícil de refutar, pode mostrar-se com o seguinte exemplo. Suponhamos que uma testemunha num tribunal está a depor e diz que viu o réu cometer um crime. Suponhamos, além disso, que ao interrogar a testemunha o advogado de defesa prova que esta já depôs em outros julgamentos e que em alguns casos o seu testemunho se veio a revelar falso (assumamos, para ajudar ao exemplo, que a testemunha chegou a ser condenada por perjúrio). A nossa tentação, enquanto juízes, seria a de não ter em conta o que a testemunha diz neste julgamento, pelo facto de esta não ser uma fonte de informação fiável. Contudo, não tê-lo em conta é incorrer na falácia do argumentum ad hominem. O que a testemunha diz nesta ocasião pode ser verdadeiro. Se possível, o seu testemunho devia ser testado confrontando-o com outra evidência disponível ou que pudesse vir a estar disponível durante o julgamento. Aquilo que é importante é reconhecer que devemos considerar o que é dito independentemente de quem o diz. NÃO PODEMOS MOSTRAR QUE UMA DECLARAÇÃO É FALSA APENAS PORQUE SE PODE MOSTRAR QUE O INDIVÍDUO QUE A PROFERE TEM FALTA DE CARÁCTER

Richard Popkin and Avrum Stroll, Philosophy Made Simple (New York, 1993, pp. 262-263). Tradução Carlos Marques.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

Texto para resumo Daniel Focsa 10A e Amin 10I

 


A manipulação conscienciosa e inteligente dos hábitos organizados e das opiniões é um elemento importante da sociedade democrática. Aqueles que manipulam este oculto mecanismo da sociedade constituem um governo invisível que é o verdadeiro poder regulador do nosso país.

Somos governados, as nossas mentes moldadas, os nossos gostos formados, as nossas ideias sugeridas, em grande medida por homens dos quais nunca ouvimos falar. Este é o resultado lógico do modo com a nossa democracia está organizada. Um vasto número de seres humanos têm de cooperar desta maneira se querem viver em conjunto como uma sociedade que funcione tranquilamente. (...)

Nos dias em que os reis eram reis, Luís XIV proferiu esta modesta observação: “O Estado sou eu”. Ele estava quase certo.
Mas os tempos mudaram. A máquina a vapor, a impressão em série, a escola pública, este trio da revolução industrial, retirou o poder aos reis e deu-o ao povo. O povo hoje conquista o poder que o rei perdeu. O poder económico tende a ser arrastado pelo poder político; a história da revolução industrial mostra como o poder passou do rei e da aristocracia para a burguesia. O sufrágio universal e a escola universal reforçaram esta tendência, e por fim mesmo a burguesia sente-se ameaçada pelas pessoas comuns. As massas prometem ser o próximo rei.
Hoje, contudo, surge uma reação. A minoria descobriu um poderoso auxiliar para influenciar as massas. Tornou-se então possível moldar a mentalidade das massas que se lançarão com o seu vigor recém-adquirido na direção desejada. Na atual estrutura da sociedade, esta prática é inevitável. Qualquer que seja a importância social que lhe é dada hoje, seja na política, finança, industria, agricultura, caridade, educação, ou noutros campos, deve ser feita com recurso à propaganda. A propaganda é o braço executor do governo invisível.
Supunha-se que a literacia universal educaria o homem comum a controlar o meio ambiente. Uma vez que podia ler e escrever poderia ter uma mentalidade apta a governar. Mas em vez de uma mentalidade, a literacia universal ofereceu-lhe carimbos, carimbos esses pintados com slogans publicitários, com editoriais, com dados científicos, com as trivialidades dos tablóides e as vulgaridades da história, mas pouco inocentes no que respeita à originalidade. Cada carimbo humano é duplicado de milhões de outros, de modo que quando estes milhões são expostos aos mesmos estímulos, recebem todos impressões idênticas. (…)O mecanismo pelo qual as ideias são disseminadas em larga escala é a propaganda, no sentido lato de um esforço organizado para espalhar uma convicção ou uma doutrina.
Estou consciente que a palavra propaganda provoca em muitas mentes uma conotação desagradável. De qualquer maneira, em qualquer circunstância, a propaganda ser boa ou má depende do mérito da causa advogada, e da correção da informação publicada.(…)

Trotter e Le Bon concluíram que a mentalidade de grupo não pensa no sentido estrito da palavra. Em vez de pensamentos tem impulsos, hábitos, e emoções. Ao elaborar o seu pensamento o primeiro impulso geralmente é seguir o exemplo de um líder em que se confia. Este é um dos princípios mais firmemente estabelecidos da psicologia de massas. Funciona a subida ou diminuição de prestígio de uma estância estival, ao provocar uma corrida a um banco, ou o pânico na cotação de ações, ao criar um “best-seller” ou u êxito de bilheteira. Mas quando o exemplo do líder não está à mão e a multidão tem de pensar por si, fá-lo com o recurso a clichés, palavras ou imagens que permanecem na globalidade de um grupo de ideias e experiências. Não há muitos anos atrás, era somente preciso etiquetar um candidato político com a palavra interesses para fazer com que milhões de pessoas votassem contra ele, porque qualquer coisa associada a “os interesses” parecia necessariamente corrupta. Recentemente a palavra Bolchevique tem desempenhado um serviço semelhante a pessoas que desejam assustar o público para o afastar de uma linha de ação.(…)
Os homens raramente se apercebem das verdadeiras razões que motivaram as suas ações. Um homem pode acreditar que compra um carro porque, depois de ter cuidadosamente estudado as características técnicas de todas as marcas no mercado, concluiu que aquele é o melhor. Quase de certeza que se está a enganar a si próprio. Compra-o, talvez, porque um amigo, cuja esperteza financeira respeita, comprou um na semana anterior; ou porque os seus vizinhos creem que ele não é capaz de ter recursos para comprar um carro daquela categoria; ou porque vem com as cores do lar universitário de estudantes em que viveu.
Foram principalmente os psicólogos da escola de Freud que identificaram que muitos dos pensamentos e ações do homem são substitutos compensatórios dos desejos que são obrigados a reprimir. (…) Os desejos humanos são o vapor que faz a máquina social funcionar. Só compreendendo-os o propagandista pode controlar esse vasto mecanismo, ao mesmo tempo solto e unido, que é a sociedade moderna.

Edward Bernays (1928) Propaganda, Lisboa, Mareantes Editora, 2005 (p.p 19, 31,32,  64,66)