sábado, 16 de janeiro de 2021

Texto para resumo Susana 10ºB

Quando uma pessoa tenciona executar uma ação, o que ela tenciona é que ocorram certos movimentos intencionais do seu corpo. Quando estes movimentos ocorrem, a pessoa está a executar uma ação intencional. Pode-se dizer que ela está então a dirigir os movimentos do seu corpo de uma certa maneira (assim, está a agir), e que ao fazê-lo é guiada pela sua intenção e está a levá-la a cabo para fazer precisamente isso (assim, está a agir intencionalmente). Nada parece haver na noção de movimento intencional que implique que a sua ocorrência tem de ser intencionada pelo agente, seja por meio de previsão seja por meio de assentimento consciente. Se isto for correto, as ações (isto é, os movimentos intencionais) podem ser executados intencionalmente ou não. Dado que a ação é movimento intencional, ou comportamento cujo curso está sob a direção de um agente, uma explicação da natureza da ação tem de lidar com dois problemas diferentes. Um é explicar a noção de comportamento dirigido. O outro é especificar quando a direção do comportamento é atribuível ao agente e não simplesmente a um processo local que ocorre no corpo do agente, como quando as pupilas de uma pessoa dilatam porque a luz esmorece. O primeiro problema diz respeito às condições sob as quais o comportamento tem propósito, ao passo que o segundo diz respeito às condições sob as quais o comportamento com propósito é intencional. O condutor de um automóvel guia o movimento do seu veículo agindo: vira o volante, carrega no acelerador, trava, etc. Ao invés, dirigir os nossos movimentos, quando agimos, não exige que executemos várias ações. Não controlamos os nossos corpos como um condutor controla o seu veículo. Caso contrário, a ação não poderia ser concebida, sob pena de gerar uma regressão infinita, como uma ocorrência de movimentos que estão sob a direção de um agente. O facto de que os nossos movimentos, quando agimos, têm propósito não é o efeito de algo que fazemos. É uma característica da operação nesse instante dos sistemas que somos. O comportamento tem propósito quando o seu curso é objeto de ajustamentos que compensam os efeitos das forças que de outro modo interfeririam com o curso do comportamento, e quando a ocorrência destes ajustamentos não é explicável pelo que explica o estado de coisas que provoca a sua existência. O comportamento está nesse caso sob a direção de um mecanismo causal independente cuja prontidão para produzir ajustamentos compensatórios tende a assegurar que o comportamento é consumado. A atividade de tal mecanismo não é normalmente, é claro, dirigida por nós. Ao invés, constitui, quando executamos uma ação, a nossa direção do nosso comportamento. O nosso sentido da nossa própria agência quando agimos não é mais do que o modo como nos sentimos quando estamos de algum modo em contacto com a operação de mecanismos deste tipo, pelos quais os nossos movimentos são guiados e o seu curso garantido. Explicar o comportamento com propósito em termos de mecanismos causais não é equivalente a propor uma teoria causal da ação. Para começar, a atividade pertinente destes mecanismos não é anterior aos movimentos que dirigem, mas sim simultânea. Mas em qualquer caso, não é essencial para o carácter de propósito de um movimento que seja realmente afetado causalmente pelo mecanismo sob cuja direção o movimento tem lugar. Um condutor cujo automóvel esteja a descer um monte em virtude apenas da força da gravidade pode estar inteiramente satisfeito com a sua velocidade e direção, e por isso pode nunca intervir para ajustar o seu movimento. Isto não mostraria que o movimento do automóvel não ocorreu sob a sua direção. O que conta é que o condutor estava preparado para intervir se fosse necessário, e estava em posição de o fazer com mais ou menos eficácia. Analogamente, os mecanismos causais que estão prontos a afetar os cursos de um movimento corporal podem nunca ter oportunidade para o fazer; pois pode não ocorrer qualquer retorno negativo do tipo que originaria a sua atividade compensatória. O comportamento tem propósito não por resultar de causas de um certo tipo, mas porque seria afetado por certas causas se o seu curso corresse o risco de não se efetivar.

Harry Frankfurt, “The Problem of Action”, in The Importance of What we Care About (Cambridge, 1998), pp. 73–75. Originalmente publicado na revista American Philosophical Quarterly, 15 (1978).


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