terça-feira, 17 de janeiro de 2023

Texto para resumo Miriam Rodrigues 10I

Vou provar aos meus leitores, apelando ao seu senso comum e ao seu conhecimento comum, que a vontade não é livre; e que é governada pela hereditariedade e pelo meio. Para começar, o homem comum estará contra mim. Ele sabe que escolhe entre dois percursos a toda a hora, e frequentemente a todo o minuto, e pensa que a sua escolha é livre. Mas isso é uma ilusão; a sua escolha não é livre. Ele pode escolher e, de facto, escolhe. Mas pode apenas escolher como a sua hereditariedade e o seu meio o fazem escolher. Nunca escolhe e nunca escolherá a não ser como a sua hereditariedade e o seu meio ― o seu temperamento e a sua formação ― o fazem escolher. E a sua hereditariedade e o seu meio fixaram a sua escolha antes de ele a fazer. O homem comum diz "Sei que posso agir como desejo agir." Mas o que o faz desejar? O partido do livre-arbítrio diz "Nós sabemos que um homem pode e efetivamente escolhe entre dois atos". Mas o que decide a escolha? Há uma causa para todo o desejo, uma causa para toda a escolha; e toda a causa de todo o desejo e escolha tem origem na hereditariedade ou no meio. Pois um homem age sempre devido ao temperamento, que é hereditariedade, ou devido à formação, que é meio. E nos casos em que um homem hesita ao escolher entre dois atos, a hesitação é devida a um conflito entre o seu temperamento e a sua formação ou, como alguns o exprimem, "entre o seu desejo e a sua consciência." Um homem está a praticar tiro ao alvo com uma arma quando um coelho se atravessa na sua linha de fogo. O homem tem os olhos postos no coelho e o dedo no gatilho. A vontade humana é livre. Se carregar no gatilho, o coelho é morto. Ora, como é que o homem decide se dispara ou não? Decide por intermédio do sentimento e da razão. Gostaria de disparar apenas para ter a certeza de que é capaz de acertar. Gostaria de disparar porque gostaria de ter coelho para o jantar. Gostaria de disparar porque existe nele o antiquíssimo instinto caçador de matar. Mas o coelho não lhe pertence. Ele não tem a certeza de que não se mete em sarilhos se o matar. Talvez ― se for um tipo de homem fora do comum ― sinta que seria cruel e covarde matar um coelho indefeso. Bem, a vontade do homem é livre. Se quiser, pode disparar; se quiser, pode deixar ir o coelho. Como decidirá? De que depende a sua decisão? A sua decisão depende da força relativa do seu desejo de matar o coelho, dos seus escrúpulos acerca da crueldade e da lei. Além disso, se conhecêssemos o homem muito bem, poderíamos adivinhar como o seu livre-arbítrio agiria antes que tivesse agido. O desportista britânico comum mataria o coelho. Mas sabemos que há homens que nunca matariam uma criatura indefesa. De um modo geral, podemos dizer que o desportista desejaria disparar e que o humanitarista não desejaria disparar. Ora, como as vontades de ambos são livres, deve ser alguma coisa fora das vontades que faz a diferença. Bem, o desportista matará porque é um desportista; o humanitarista não matará porque é um humanitarista. E o que faz de um homem um desportista e de outro um humanitarista? Hereditariedade e meio: temperamento e formação. Um homem é, por natureza, misericordioso e outro cruel; ou um é, por natureza, sensível e outro insensível. Esta é uma diferença de hereditariedade. A um pode ter sido ensinado durante toda a vida que matar animais selvagens é "desporto"; a outro pode ter sido ensinado que é inumano e errado; esta à uma diferença de meio. Ora, o homem por natureza cruel ou insensível, que foi treinado para pensar que matar animais é um desporto, torna-se aquilo a que chamamos um desportista, porque a hereditariedade e o meio fizeram dele um desportista. A hereditariedade e o meio do outro homem fizeram dele um humanitarista. O desportista mata o coelho porque é um desportista e é um desportista porque a hereditariedade e o meio fizeram dele um desportista. Isso é dizer que o "livre-arbítrio" é realmente controlado pela hereditariedade e pelo meio.

Robert Blatchford, Not Guilty, Albert and Charles Boni, Inc., 1913. (Tradução de Álvaro Nunes, adaptada).


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