"Supõe
que estás na fila de uma cantina e que, quando chegas às sobremesas, hesitas
entre um pêssego e uma grande fatia de bolo de chocolate com uma cremosa
cobertura de natas. O bolo tem bom aspeto, mas sabes que engorda. Ainda assim,
tiras o bolo e comê-lo com prazer. No dia seguinte vês-te ao espelho, ou
pesas-te, e pensas: ‘Quem me dera não ter comido o bolo de chocolate. Podia ter
comido antes o pêssego’.
Havia
pêssegos quando estavas na fila da cantina: e tiveste oportunidade de ter
tirado antes um pêssego. Mas não é apenas isso que queres dizer. Queres dizer
que podias ter tirado o pêssego em vez do bolo. Podias ter feito algo diferente
daquilo que realmente fizeste. Antes de te teres decidido, estava em aberto se
havias de tirar fruta ou bolo, e foi apenas a tua escolha que decidiu qual dos
dois havias de comer.
Quando
afirmas “podia ter comido antes o pêssego”, queres dizer que isso dependia
apenas da tua escolha?” Mas isto ainda não parece suficiente: Não queres apenas
dizer que, se tivesses escolhido o pêssego, teria sido isso que terias comido.
Quando dizes “podia ter comido antes o pêssego”, também queres dizer que podias
tê-lo escolhido – não há aqui 'ses' nenhuns.
Mas
que quer isto dizer?
Não
pode ser explicado fazendo notar outras ocasiões em que de facto escolheste
comer fruta. O que estás a dizer é que podias ter escolhido um pêssego em vez
de bolo de chocolate naquele momento, tal como as coisas realmente eram. Pensas
que podias ter escolhido um pêssego mesmo que todas as restantes coisas fossem
exactamente da mesma maneira até ao momento em que de facto escolheste bolo de
chocolate.
Esta
é uma ideia de “pode” ou “poderia” que aplicamos só às pessoas (e talvez a
alguns animais). Quando dizemos “o carro podia ter chegado ao cimo da colina”,
queremos dizer que o carro tinha potência suficiente para chegar ao cimo da
colina se alguém o tivesse conduzido até lá.
Até
ao momento em que escolhes nada determina irrevogavelmente qual será a tua
escolha. Escolher o pêssego continua a ser para ti uma possibilidade em aberto
até ao momento em que de facto escolhes bolo de chocolate. A tua escolha não
está determinada à partida." (…)
Thomas
Nagel, O que quer dizer tudo isto? – Uma iniciação à Filosofia, Gradiva, 1995,
pág. 45-46.
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