(Fotografia de Ara Guler)
Mas a mentira bem intencionada pode também, por um acaso
(casus), ser passível de penalidade, segundo as leis civis.(...)
Se, por exemplo, mediante uma mentira, a alguém ainda agora
mesmo tomado de fúria assassina, o impediste de agir és responsável, do ponto
de vista jurídico, de todas as consequências que daí possam surgir. Mas se te
ativeres fortemente à verdade, a justiça pública nada em contrário pode contra
ti, por mais imprevistas que sejam as consequências. É, pois, possível que,
após teres honestamente respondido com um sim à pergunta do assassino sobre a
presença em tua casa da pessoa por ele perseguida, esta se tenha ido embora sem
ser notada, furtando-se assim ao golpe do assassino e que, portanto, o crime
não tenha ocorrido; mas se tivesses mentido e dito que ela não estava em casa e
tivesse realmente saído (embora sem teu conhecimento) e, em seguida, o
assassino a encontrasse a fugir e levasse a cabo a sua ação, poderias com razão
ser acusado como autor da sua morte, pois se tivesses dito a verdade, tal como
bem a conhecias, talvez o assassino, ao procurar em casa o seu inimigo, fosse
preso pelos vizinhos que acorreram, e ter-se-ia impedido o crime. Quem, pois,
mente, por mais bondosa que possa ser a sua disposição, deve responder pelas
consequências, mesmo perante um tribunal civil, e por ela se penitenciar, por
mais imprevistas que essas consequências possam também ser; porque a veracidade
é um dever que tem de se considerar como a base de todos os deveres (...)
Immanuel Kant “ Sobre o suposto direito de mentir.”
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