segunda-feira, 5 de junho de 2023

Texto para resumo Tiago Ramos 10A, Amin Assufo 10I


Analisemos agora uma experiência mental: suponhamos que, ao reunir-nos para definir os princípios, não saibamos a qual categoria pertencemos na sociedade. Imaginemo-nos cobertos por um “véu de ignorância” que temporariamente nos impeça de saber quem realmente somos. Não sabemos a que classe social ou género pertencemos e desconhecemos a nossa raça ou etnia, as nossas opiniões políticas ou crenças religiosas. Tampouco conhecemos as nossas vantagens ou desvantagens — se somos saudáveis ou frágeis, se temos alto grau de escolaridade ou se abandonámos a escola, se nascemos numa família estruturada ou numa família desestruturada. Se não possuíssemos essas informações, poderíamos realmente fazer uma escolha a partir de uma posição original de equidade. Já que ninguém estaria numa posição de negociação superior, os princípios escolhidos seriam justos. É assim que Rawls entende um contrato social — um acordo hipotético numa posição original de equidade. Rawls convida-nos a raciocinar sobre os princípios que nós — como pessoas racionais e com interesses próprios — escolheríamos caso estivéssemos nessa posição. Ele não parte do pressuposto de que todos sejamos motivados, na vida real, apenas pelo interesse egoísta; pede apenas que deixemos de lado as nossas convicções morais e religiosas para realizar essa experiência mental. Que princípios escolheríamos?

Primeiramente, raciocina, não optaríamos pelo utilitarismo. Sob o véu de ignorância, cada um de nós ponderaria: “Pensando bem, posso vir a ser membro de uma minoria oprimida.” E ninguém arriscaria ser o cristão que é atirado aos leões para o divertimento da multidão. Nem escolheríamos o simples laissez-faire, o princípio libertário que daria às pessoas o direito de ficar com todo o dinheiro que ganhassem numa economia de mercado. “Posso acabar por ser o Bill Gates”, alguém raciocinaria, “mas também posso, por outro lado, ser um sem-abrigo. Portanto, é melhor evitar um sistema que me deixe desamparado e na penúria. “

Rawls acredita que dois princípios de justiça, poderiam emergir do contrato hipotético. O primeiro oferece as mesmas liberdades básicas para todos os cidadãos, como liberdade de expressão e religião. Esse princípio sobrepõe-se a considerações sobre utilidade social e bem-estar geral. O segundo princípio refere-se à equidade social e económica. Embora não requeira uma distribuição igualitária de renda e riqueza, ele permite apenas as desigualdades sociais e económicas que beneficiam os membros menos favorecidos de uma sociedade. Os filósofos questionam se os participantes do contrato social hipotético de Rawls escolheriam os princípios que ele afirma que escolheriam. Mais à frente veremos por que Rawls acha que esses dois princípios seriam escolhidos. Mas, antes de abordar os princípios, analisemos uma questão anterior a essa: A experiência hipotética de Rawls é a maneira correta de abordar a questão da justiça? Como podem princípios da justiça resultar de um acordo que jamais aconteceu de fato?

Michael Sandel, Justiça, Lx, Presença, pp.150, 151

domingo, 4 de junho de 2023

Texto para resumo Raquel Costa 10A


Imagem: Quadro de Wieat

Supõe que trabalhas numa biblioteca, verificando os livros que as pessoas requisitam, e um amigo te pede para o deixares roubar uma obra de referência difícil de encontrar que quer possuir.Podes hesitar em concordar por diversas razões. Podes recear que ele seja apanhado e que, assim, tanto ele como tu arranjem problemas. Ou podes querer que o livro fique na biblioteca para que tu próprio possas consultá-lo.
Mas também podes pensar que aquilo que ele propõe está errado – que ele não deve fazê-lo e que tu não deves ajudá-lo. Se pensas assim, o que quer isso dizer, o que torna isso verdadeiro, se é que há algo que o torne verdadeiro?

Dizer que isso está errado não é dizer apenas que vai contra as regras. Pode haver más regras que proíbam aquilo que não está errado — tal como uma lei contra criticar o governo. Uma regra também pode ser má por exigir algo que é errado — tal como uma lei que exige a segregação racial em hotéis e restaurantes. As ideias de certo e errado são diferentes das ideias daquilo que vai ou não contra as regras. Caso contrário, não podiam ser usadas na avaliação das regras, bem como na avaliação das ações.Se pensas que seria errado ajudares o teu amigo a roubar o livro, então sentes-te desconfortável com a ideia de o fazeres: de algum modo, não queres fazê-lo, mesmo que também estejas relutante em recusares ajudar um amigo. Donde vem o desejo de não o fazer? Qual é o seu motivo, a razão por detrás dele?

Há várias maneiras pelas quais algo pode estar errado, mas neste caso, se tivesses de explicá-lo, provavelmente, dirias que seria injusto para os restantes utentes da biblioteca, que podem estar tão interessados no livro como o teu amigo, mas que o consultam na sala das obras de referência, onde qualquer pessoa que precise dele pode encontrá-lo. Podes também sentir que deixar o teu amigo levar o livro trairia aqueles que te empregam, que te pagam precisamente para prevenir que coisas como estas aconteçam.
Estas ideias relacionam-se com os efeitos sobre outras pessoas — não necessariamente com efeitos sobre os seus sentimentos, uma vez que podem nunca vir a descobri-lo, mas, ainda assim, com algum tipo de dano. Em geral, a ideia de que algo é errado depende do seu impacto não só na pessoa que o pratica, mas também noutras pessoas. Se o descobrissem, não gostariam e opor-se-iam. Mas supõe que tentas explicar tudo isto ao teu amigo e ele diz: «Eu sei que o bibliotecário não havia de gostar se viesse a dar pela falta do livro e que, provavelmente, alguns dos restantes utentes da biblioteca ficariam aborrecidos se descobrissem que o livro tinha desaparecido, mas que mal faz? Eu quero o livro; por que razão hei-de preocupar-me com os outros?»

Espera-se que o argumento de que tal seria errado lhe dê uma razão qualquer para não o fazer. Mas que razão poderá ter alguém que, pura e simplesmente, não se preocupa com as outras pessoas e que pode escapar impunemente para se coibir de fazer qualquer coisa que, normalmente, é considerada errada? Que razão pode ter para não matar, roubar, mentir ou magoar outras pessoas? Se conseguir aquilo que quer ao fazer essas coisas, por que razão não há-de fazê-las? E, se não há nenhuma razão para não as fazer, em que sentido será isso errado'?

É claro que a maioria das pessoas se preocupam em certa medida umas com as outras. Mas, se alguém não se preocupa, a maior parte de nós não conclui que a moral não se aplica a essa pessoa. A moral não deixa de se aplicar automaticamente a uma pessoa que mata alguém apenas para lhe roubar a carteira, sem se preocupar com a vítima. O facto de ela não se preocupar não torna a sua atitude correta: devia preocupar-se. Mas por que razão deveria ela preocupar-se?  Tem havido muitas tentativas para responder a esta questão. Um tipo de resposta consiste em tentar encontrar algo com que a pessoa já se preocupe para depois identificar a moral com isso.

Thomas Nagel, Que quer dizer tudo isto? 1987, 1995, Gradiva, p56,57