ESTAMOS CONDENADOS A SER LIVRES?
(…) o homem, estando condenado a
ser livre, carrega nos ombros o peso do mundo inteiro: é responsável pelo mundo
e por si mesmo enquanto maneira de ser. Tomamos a palavra "responsabilidade"
no sentido corriqueiro de "consciência (de) ser o autor incontestável de
um acontecimento ou de um objeto"(...)pois os piores inconvenientes ou as piores ameaças que
prometem atingir a minha pessoa só adquirem sentido pelo meu projeto; e elas
aparecem sobre o fundo de compromisso que eu sou. Portanto, é insensato pensar
em queixar-se, pois nada alheio determinou aquilo que sentimos, vivemos ou
somos. Por outro lado, tal responsabilidade absoluta não é resignação: é
simples reivindicação lógica das consequências de nossa liberdade. O que
acontece comigo, acontece por mim, e eu não poderia deixar me afetar por isso,
nem revoltar-me, nem resignar-me. Além disso, tudo aquilo que me acontece é
meu; deve-se entender por isso, em primeiro lugar, que estou sempre à altura do
que me acontece, enquanto homem, pois aquilo que acontece a um homem por outros
homens e por ele mesmo não poderia ser senão humano. As mais atrozes situações
da guerra, as piores torturas, não criam um estado de coisas inumano· Não há
situação inumanas; é somente pelo medo, pela fuga e pelo recurso a condutas
mágicas que irei determinar o inumano, mas esta decisão é humana e tenho de
assumir total responsabilidade por ela. Mas, além disso, a situação é minha por
ser a imagem da minha livre escolha de mim mesmo, e tudo quanto ela me
apresenta é meu, nesse sentido de que me representa e me simboliza. Não serei
eu quem determina o grau de adversidade das coisas e até sua imprevisibilidade
ao decidir por mim mesmo? Assim, não há acidentes numa vida; uma ocorrência
comum que irrompe subitamente e me carrega não provém de fora; se sou
mobilizado para a guerra, esta guerra é a minha guerra, é feita à minha imagem
e eu mereço-a. Mereço-a, primeiro, porque sempre poderia livrar-me dela pelo
suicídio ou pela deserção: esses últimos possíveis são os que devem estar
sempre presentes quando se trata de enfrentar uma situação. Por ter deixado, eu
escolhi-a; pode ser por fraqueza, por covardia frente à opinião pública, porque
prefiro certos valores ao valor da própria recusa de entrar na guerra (a estima
dos meus parentes, a honra de minha família, etc.).
Jean- Paul
Sartre, O ser e o nada, p.678,679
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