1. Resumo do texto
2. Notas sobre a biografia dos autores
3. Definição dos conceitos mais importantes
4. Comentário crítico
SOBRE A MORAL DEONTOLÓGICA
DE KANT
“- Kant tinha desde o
princípio a forte impressão de que a diferença entre o justo e o injusto tinha
de ser mais do que uma questão de sentimentos. Nesse aspecto ele estava de
acordo com os racionalistas, que tinham explicado que era inerente à razão humana
distinguir o justo do injusto. Todos os homens sabem o que é justo e o que não
é, e nós sabemo-lo não apenas porque o aprendemos, mas também porque é inerente
à nossa razão. Kant achava que todos os homens tinham uma “razão prática” que nos diz sempre o que é justo e o que é
injusto no domínio da moral.
- Então é inata?
- A capacidade de distinguir o justo do
injusto é tão inata como
todos os outros atributos da razão. Todos os homens vêem os fenómenos como
determinados causalmente – e também têm acesso à mesma lei moral universal.
Esta lei moral tem a mesma validade absoluta que as leis físicas da natureza.
Isso é tão fundamental para a nossa vida moral como é fundamental para a nossa
vida racional que tudo tenha uma causa, ou que sete mais cinco sejam doze.
- E o que é que diz essa lei
moral?
- Uma vez que precede
qualquer experiência, é "formal".
Significa que não está relacionada com possibilidades morais de escolha
determinadas. É válida para todos os homens em todas as sociedades e em todos
os tempos. Logo, não diz que tens de fazer isto ou aquilo nesta ou naquela
situação. Diz como te deves comportar em todas as situações.
- Mas que sentido tem uma lei
moral, se não nos diz como nos devemos comportar numa situação determinada?
-Kant formula a lei moral
como imperativo categórico.
Por isto, ele entende que a lei moral é "categórica", quer dizer, é
válida em todas as situações. Além disso, é um "imperativo" e
consequentemente uma "ordem" e absolutamente inevitável.
- Hm...
- Aliás, Kant formula o seu imperativo categórico de
diversas formas. Primeiro, diz: “devíamos
agir sempre de tal forma que pudéssemos desejar simultaneamente que a regra
segundo a qual agimos fosse uma lei universal”.
- Quando faço alguma coisa,
tenho de ter a certeza de que desejo que todos façam o mesmo na mesma situação.
- Exato. Só nessa altura ages
de acordo com a tua lei moral interior. Kant também formulou o imperativo
categórico da seguinte forma: devemos
tratar os outros homens sempre como um fim em si e não como um meio para alguma
outra coisa.
-Não podemos, portanto,
"explorar" os outros para obtermos benefícios.
-Não, porque todos os homens são um fim em si.
Mas isso não é válido apenas para os outros, mas também para nós mesmos. Também
não nos devemos explorar como meio para alcançar algo.
- Isso faz-me lembrar a
"regra dourada": não faças aos outros o que não queres que te façam a
ti. -Sim, e isso é uma norma formal que abrange basicamente todas as
possibilidades éticas de escolha. (…)
- Para Kant, a lei moral era tão absoluta e universalmente válida como, por exemplo, a lei da
causalidade. Também não pode ser provada pela razão, mas é incontornável.
Nenhum homem a contestaria.
- Começo a ter a sensação de que estamos
realmente a falar da consciência, porque todos os homens têm uma consciência.
-Sim, quando Kant descreve a
lei moral, descreve a consciência humana. Não podemos provar o que a
consciência diz, mas sabemo-lo. - Por vezes, sou muito simpático para com os
outros simplesmente porque é vantajoso para mim. Desse modo, posso ser popular.
- Mas quando és simpática para com os outros apenas para seres popular, não
estás a agir de acordo com a lei moral. Talvez não estejas a observar a lei
moral. Talvez estejas a agir numa espécie de acordo superficial com a lei moral
- e isso já é alguma coisa -, mas uma ação moral tem de ser o resultado de uma
superação de ti mesma. Só quando fazes algo porque achas ser teu “dever” seguir
a lei moral é que podes falar de uma ação moral. Por isso, a ética de Kant é
frequentemente chamada “ética do dever”.
- Eu posso achar ser meu
dever juntar dinheiro para a Cruz Vermelha ou a Caritas. - Sim, e o importante
é tu fazeres uma coisa porque a achas correta. Mesmo quando o dinheiro que tu
juntaste se extravia ou nunca alimente as pessoas que devia alimentar, tu
cumpriste a lei moral. Agiste com a atitude correta e, segundo Kant, a atitude é decisiva para podermos
dizer que uma coisa é moralmente correta. Não são as consequências de uma ação
que são decisivas. Por isso, também dizemos que a “ética de Kant é uma ética da boa vontade”.
- Porque é que era tão importante para ele
saber quando é que agimos por respeito à lei moral? Não é mais importante que
aquilo que fazemos ajude os outros? - Sim, Kant concordaria, mas só quando
sabemos que agimos por respeito à lei moral é que agimos em “liberdade”.
- Só obedecendo a uma lei é
que agimos em liberdade? Isso não é estranho?
- Segundo Kant, não. Talvez
ainda te lembres que ele "postulou" o livre arbítrio do homem. Esse é
um ponto importante, porque Kant achava que todas as coisas seguem a lei da
causalidade. Como é que podemos ter livre arbítrio assim?
-Não me perguntes.
Jostein Gaarder, O mundo de Sofia