Vou provar aos meus leitores,
apelando ao seu senso comum e ao seu conhecimento comum, que a vontade não é
livre; e que é governada pela hereditariedade e pelo meio. Para começar, o
homem comum estará contra mim. Ele sabe que escolhe entre dois percursos a toda
a hora, e frequentemente a todo o minuto, e pensa que a sua escolha é livre.
Mas isso é uma ilusão; a sua escolha não é livre. Ele pode escolher e, de
facto, escolhe. Mas pode apenas escolher como a sua hereditariedade e o seu
meio o fazem escolher. Nunca escolhe e nunca escolherá a não ser como a sua
hereditariedade e o seu meio ― o seu temperamento e a sua formação ― o fazem
escolher. E a sua hereditariedade e o seu meio fixaram a sua escolha antes de
ele a fazer. O homem comum diz "Sei que posso agir como desejo agir."
Mas o que o faz desejar? O partido do livre-arbítrio diz "Nós sabemos que
um homem pode e efetivamente escolhe entre dois atos". Mas o que decide a
escolha? Há uma causa para todo o desejo, uma causa para toda a escolha; e toda
a causa de todo o desejo e escolha tem origem na hereditariedade ou no meio.
Pois um homem age sempre devido ao temperamento, que é hereditariedade, ou
devido à formação, que é meio. E nos casos em que um homem hesita ao escolher
entre dois atos, a hesitação é devida a um conflito entre o seu temperamento e
a sua formação ou, como alguns o exprimem, "entre o seu desejo e a sua
consciência." Um homem está a praticar tiro ao alvo com uma arma quando um
coelho se atravessa na sua linha de fogo. O homem tem os olhos postos no coelho
e o dedo no gatilho. A vontade humana é livre. Se carregar no gatilho, o coelho
é morto. Ora, como é que o homem decide se dispara ou não? Decide por
intermédio do sentimento e da razão. Gostaria de disparar apenas para ter a
certeza de que é capaz de acertar. Gostaria de disparar porque gostaria de ter
coelho para o jantar. Gostaria de disparar porque existe nele o antiquíssimo
instinto caçador de matar. Mas o coelho não lhe pertence. Ele não tem a certeza
de que não se mete em sarilhos se o matar. Talvez ― se for um tipo de homem
fora do comum ― sinta que seria cruel e covarde matar um coelho indefeso. Bem,
a vontade do homem é livre. Se quiser, pode disparar; se quiser, pode deixar ir
o coelho. Como decidirá? De que depende a sua decisão? A sua decisão depende da
força relativa do seu desejo de matar o coelho, dos seus escrúpulos acerca da
crueldade e da lei. Além disso, se conhecêssemos o homem muito bem, poderíamos
adivinhar como o seu livre-arbítrio agiria antes que tivesse agido. O
desportista britânico comum mataria o coelho. Mas sabemos que há homens que
nunca matariam uma criatura indefesa. De um modo geral, podemos dizer que o
desportista desejaria disparar e que o humanitarista não desejaria disparar.
Ora, como as vontades de ambos são livres, deve ser alguma coisa fora das
vontades que faz a diferença. Bem, o desportista matará porque é um
desportista; o humanitarista não matará porque é um humanitarista. E o que faz
de um homem um desportista e de outro um humanitarista? Hereditariedade e meio:
temperamento e formação. Um homem é, por natureza, misericordioso e outro
cruel; ou um é, por natureza, sensível e outro insensível. Esta é uma diferença
de hereditariedade. A um pode ter sido ensinado durante toda a vida que matar
animais selvagens é "desporto"; a outro pode ter sido ensinado que é
inumano e errado; esta à uma diferença de meio. Ora, o homem por natureza cruel
ou insensível, que foi treinado para pensar que matar animais é um desporto,
torna-se aquilo a que chamamos um desportista, porque a hereditariedade e o
meio fizeram dele um desportista. A hereditariedade e o meio do outro homem
fizeram dele um humanitarista. O desportista mata o coelho porque é um
desportista e é um desportista porque a hereditariedade e o meio fizeram dele
um desportista. Isso é dizer que o "livre-arbítrio" é realmente
controlado pela hereditariedade e pelo meio.
Robert Blatchford, Not Guilty,
Albert and Charles Boni, Inc., 1913. (Tradução de Álvaro Nunes, adaptada).
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