Quando
uma pessoa tenciona executar uma ação, o que ela tenciona é que ocorram certos
movimentos intencionais do seu corpo. Quando estes movimentos ocorrem, a pessoa
está a executar uma ação intencional. Pode-se dizer que ela está então a
dirigir os movimentos do seu corpo de uma certa maneira (assim, está a agir), e
que ao fazê-lo é guiada pela sua intenção e está a levá-la a cabo para fazer
precisamente isso (assim, está a agir intencionalmente). Nada parece haver na
noção de movimento intencional que implique que a sua ocorrência tem de ser intencionada
pelo agente, seja por meio de previsão seja por meio de assentimento
consciente. Se isto for correto, as ações (isto é, os movimentos intencionais)
podem ser executados intencionalmente ou não. Dado que a ação é movimento
intencional, ou comportamento cujo curso está sob a direção de um agente, uma
explicação da natureza da ação tem de lidar com dois problemas diferentes. Um é
explicar a noção de comportamento dirigido. O outro é especificar quando a
direção do comportamento é atribuível ao agente e não simplesmente a um
processo local que ocorre no corpo do agente, como quando as pupilas de uma
pessoa dilatam porque a luz esmorece. O primeiro problema diz respeito às
condições sob as quais o comportamento tem propósito, ao passo que o segundo diz
respeito às condições sob as quais o comportamento com propósito é
intencional. O condutor de um automóvel guia o movimento do seu veículo
agindo: vira o volante, carrega no acelerador, trava, etc. Ao invés, dirigir os
nossos movimentos, quando agimos, não exige que executemos várias ações. Não
controlamos os nossos corpos como um condutor controla o seu veículo. Caso
contrário, a ação não poderia ser concebida, sob pena de gerar uma regressão
infinita, como uma ocorrência de movimentos que estão sob a direção de um
agente. O facto de que os nossos movimentos, quando agimos, têm propósito não é
o efeito de algo que fazemos. É uma característica da operação nesse instante
dos sistemas que somos. O comportamento tem propósito quando o seu curso é
objeto de ajustamentos que compensam os efeitos das forças que de outro modo
interfeririam com o curso do comportamento, e quando a ocorrência destes
ajustamentos não é explicável pelo que explica o estado de coisas que provoca a
sua existência. O comportamento está nesse caso sob a direção de um mecanismo
causal independente cuja prontidão para produzir ajustamentos compensatórios
tende a assegurar que o comportamento é consumado. A atividade de tal mecanismo
não é normalmente, é claro, dirigida por nós. Ao invés, constitui, quando
executamos uma ação, a nossa direção do nosso comportamento. O nosso sentido da
nossa própria agência quando agimos não é mais do que o modo como nos sentimos
quando estamos de algum modo em contacto com a operação de mecanismos deste tipo,
pelos quais os nossos movimentos são guiados e o seu curso
garantido. Explicar o comportamento com propósito em termos de mecanismos
causais não é equivalente a propor uma teoria causal da ação. Para começar, a
atividade pertinente destes mecanismos não é anterior aos movimentos que
dirigem, mas sim simultânea. Mas em qualquer caso, não é essencial para o
carácter de propósito de um movimento que seja realmente afetado causalmente
pelo mecanismo sob cuja direção o movimento tem lugar. Um condutor cujo automóvel
esteja a descer um monte em virtude apenas da força da gravidade pode estar
inteiramente satisfeito com a sua velocidade e direção, e por isso pode nunca
intervir para ajustar o seu movimento. Isto não mostraria que o movimento do
automóvel não ocorreu sob a sua direção. O que conta é que o condutor estava
preparado para intervir se fosse necessário, e estava em posição de o fazer com
mais ou menos eficácia. Analogamente, os mecanismos causais que estão prontos a
afetar os cursos de um movimento corporal podem nunca ter oportunidade para o
fazer; pois pode não ocorrer qualquer retorno negativo do tipo que originaria a
sua atividade compensatória. O comportamento tem propósito não por resultar de
causas de um certo tipo, mas porque seria afetado por certas causas se o seu
curso corresse o risco de não se efetivar.
Harry Frankfurt, “The Problem of Action”, in The
Importance of What we Care About (Cambridge, 1998), pp. 73–75. Originalmente publicado na
revista American Philosophical Quarterly, 15 (1978).
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