Pretendo ver considerada uma certa ideia: Se toda a matéria
for determinista, e se a mente das pessoas for algo de material, então o
comportamento humano é fisicamente determinado. Um dos “ses” no que acabo de
descrever — a ideia de que a matéria é determinista — não foi posta em questão
até ao século XX. Foi então que Niels Bohr, Werner Heisenberg e Erwin
Schödinger desenvolveram a Teoria Quântica. Esta teoria é interpretada de modos
diferentes pelos físicos, mas segundo a interpretação canónica (chamada “a
interpretação de Copenhaga”, em homenagem à terra natal de Bhor), de acordo com
a Teoria Quântica, o comportamento das partículas elementares é indeterminista.
Para esta interpretação da teoria, até uma descrição completa de um sistema
físico deixa em aberto o que virá a ser o seu futuro. Alguns futuros serão mais
prováveis que outros, mas o número de possibilidades é sempre maior que um. Em
resumo, o presente não determina o futuro — o acaso faz parte do mundo. Não
está estabelecido que a interpretação de Copenhaga é a melhor interpretação da
Teoria Quântica. Nem sequer é inconcebível que esta bem confirmada teoria venha
um dia a ser substituída por outra, que assegure que o universo é determinista.
O que parece agora claro é que não podemos simplesmente pressupor que o
determinismo tem de ser verdadeiro. Talvez o universo seja determinista, talvez
não. Esta é uma questão científica a ser resolvida pela investigação
científica. Não podemos decidir a priori se o determinismo é ou não verdadeiro.
Suponhamos que somos feitos de matéria e que as nossas características
psicológicas não se devem à presença de uma substância imaterial (um ego
cartesiano), mas à maneira como a matéria de que somos feitos está estruturada.
Se isto estiver certo, sugiro que o nosso comportamento deve ser como o
comportamento das partículas elementares. Se o acaso influencia o comportamento
das partículas, também influencia o das pessoas. Ou seja, estou a propor que o
indeterminismo se propaga para os níveis superiores. Se os objetos físicos não
obedecem a leis deterministas, os nossos desejos e crenças não determinam o que
serão as nossas ações. Esses desejos e crenças tornarão algumas ações mais
prováveis que outras. Do mesmo modo, os nossos genes mais o meio em que vivemos
não determinam o que serão os nossos pensamentos e ações. A relação é uma vez
mais probabilística, não determinista. A maioria dos filósofos que escreveram
sobre o problema da liberdade humana não se mostraram preocupados com as
implicações da Teoria Quântica. Pressupõem, em geral, que a matéria é
determinista e, depois, tentam considerar o que isso implica para a questão de
saber se somos ou não livres. Isto é inteiramente compreensível para pessoas como
David Hume, que escreveram sobre a questão do livre-arbítrio muito antes de a
Teoria Quântica entrar em cena; afinal, Hume escrevia no apogeu da conceção
newtoniana do mundo.
Elliott Sober, Core Questions in Philosophy (Prentice Hall, 2008)
https://criticanarede.com/eti_livrearbitrio.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário