“Aqueles são tanto menos submetidos à inconstância e à
mudança quanto mais universal é o princípio ao qual se subordinam e, portanto,
quanto mais abrangente é o sentimento elevado, que compreende em si os
sentimentos inferiores. Todos os fundamentos particulares das inclinações
encontram-se submetidos a muitas exceções e modificações, caso não sejam
derivados de tal princípio superior. O bem disposto e amistoso Alceste diz: Amo
e aprecio a minha mulher, pois é bela, carinhosa e esperta. Como, porém, amá-la,
se fosse desfigurada pela doença, se tornasse rabugenta com a idade, e, depois
de passado o primeiro momento de admiração, não parecesse mais esperta do que
qualquer outra? O que pode resultar da inclinação, quando o fundamento já não
está presente? Tomai, em contrapartida, o benevolente e firme Adrasto, que diz
a si mesmo: Dispensarei amor e respeito a essa pessoa, pois é minha mulher.
Esse caráter é nobre e generoso. Seja lá como for que se modifiquem os
atrativos de ocasião, ela permanece sempre sua mulher. Mantém-se o fundamento
nobre, sem que esteja submetido à inconstância das coisas exteriores. Tal é a
natureza dos princípios em comparação com as disposições que nos exaltam apenas
em ocasiões especiais, e assim é o homem de princípios, oposto àquele acidentalmente
impulsionado por um movimento bondoso e amoroso. Se, porém, a voz secreta de
seu coração sussurrar: "Preciso ajudar aquele homem, pois ele sofre; não
porque seja meu amigo ou conhecido, ou porque o saiba capaz de retribuir com
gratidão ao benefício. Não é hora de raciocinar e se demorar em perguntas: ele
é um homem, e o que acontece a um homem também me diz respeito". Nesse
caso, o seu comportamento tem por base o mais elevado fundamento da
benevolência na natureza humana, e é sumamente sublime, quer por sua
inalterabilidade, quer pela universalidade da sua aplicação.
Prossigo com minhas observações. O homem com uma disposição
de ânimo melancólica pouco se preocupa com o que outros julgam bom ou
verdadeiro, tomando por base apenas a própria convicção. Porque nele os
fundamentos de ação assumem a natureza de princípios, não é fácil inculcar-lhe
outros pensamentos. A sua firmeza, ocasionalmente, também degenera em teimosia.
Vê a mudança das modas com indiferença, o seu brilho, com desprezo. A amizade é
sublime e, por isso, é própria para o seu sentimento. Ele pode talvez perder um
amigo volúvel; este, porém, não o perde tão facilmente. Mesmo a recordação de
uma amizade passada lhe é digna de veneração. A conversação é bela, o silêncio
pensativo é sublime. Sabe muito bem guardar segredos, seus ou alheios. A
sinceridade é sublime, e ele odeia mentiras ou fingimento. Possui um elevado
sentimento da dignidade da natureza humana. Aprecia-se a si mesmo, e tem o ser
humano como criatura que merece respeito. Não tolera nenhuma subserviência
abjeta, e seu nobre coração respira a liberdade. Todas as correntes, das
douradas que se carregam na corte aos pesados ferros das galeras de escravos,
lhe são abomináveis. É um severo juiz de si próprio e dos outros, e não
raramente se vê enfastiado do mundo.”
Kant, Observações sobre o Belo e o Sublime,
1. Qual a conclusão ou tese principal deste texto de
Kant?
2. Relaciona-se este tema com a ética deontológica?
Porquê?
3. Relacione pares de conceitos que ocorrem ligados no
texto.
4. Quem são as personagens evocadas de Alceste e Adrasto?
5. Analise o argumento e a tese. Parece-lhe convincente?
Porquê?
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