Pintura de Vanessa Bell
Quem supõe que ...o ser superior, em qualquer coisa como
circunstâncias iguais, não é mais feliz que o inferior -confunde as duas ideias
muito diferentes de felicidade e contentamento. É indiscutível que um ser cujas
capacidades de deleite são baixas tem maior probabilidade de tê-las
inteiramente satisfeitas, e que um ser altamente dotado sentirá sempre que
qualquer felicidade que pode esperar, tal como o mundo é constituído, é
imperfeita. Mas pode aprender a suportar as suas imperfeições, se de todo forem
suportáveis, e elas não o farão invejar o ser que na verdade não tem
consciência das imperfeições, mas só porque não sente de maneira nenhuma o bem
que essas imperfeições qualificam. É melhor ser um ser humano insatisfeito do
que um porco satisfeito. E se o idiota ou o porco têm uma opinião diferente é
porque só conhecem o seu próprio lado da questão. A outra parte da comparação
conhece ambos os lados.
De dois prazeres, se houver um ao qual todos ou quase todos
aqueles que tiveram a experiência de ambos derem uma preferência decidida,
independentemente de sentirem qualquer obrigação moral para o preferir, então
será esse o prazer mais desejável. Se um dos dois for colocado, por aqueles que
estão competentemente familiarizados com ambos, tão acima do outro que eles o
preferem mesmo sabendo que é acompanhado de um maior descontentamento, e se não
abdicarem dele por qualquer quantidade do outro prazer acessível à sua
natureza, então teremos razão para atribuir ao deleite preferido uma
superioridade em qualidade que ultrapassa de tal modo a quantidade que esta se
torna, por comparação, pouco importante.
Ora, é um facto inquestionável que aqueles que estão
igualmente familiarizados com ambos, e que são igualmente capazes de os
apreciar e de se deleitar com eles, dão uma preferência muitíssimo marcada ao
modo de existência que emprega as suas faculdades superiores. Poucas criaturas
humanas consentiriam ser transformadas em qualquer dos animais inferiores
perante a promessa da plena fruição dos prazeres de uma besta, nenhum ser
humano inteligente consentiria tornar-se tolo, nenhuma pessoa instruída se
tornaria ignorante, nenhuma pessoa de sentimento e consciência se tornaria
egoísta e vil, mesmo que a persuadissem de que o tolo, o asno e o velhaco estão
mais satisfeitos com a sua sorte do que ela com a sua. (...) Um ser com
faculdades superiores precisa de mais para ser feliz, provavelmente é capaz de
um sofrimento mais agudo e certamente é-lhe vulnerável em mais aspetos. Mas,
apesar destas desvantagens, não pode nunca desejar realmente afundar-se naquilo
que se lhe afigura como um nível de existência inferior. (...) Quem supõe que
esta preferência implica um sacrifício da felicidade - que, em igualdade de
circunstâncias, o ser superior não é mais feliz que o ser inferior - confunde
as ideias muito diferentes de felicidade e de contentamento. É indiscutível que
um ser cujas capacidades de deleite sejam baixas tem uma probabilidade maior de
as satisfazer completamente, e que um ser amplamente dotado sentirá sempre que,
da forma como o mundo é constituído, qualquer felicidade que possa procurar é
imperfeita. Mas pode aprender a suportar as suas imperfeições, se de todo forem
suportáveis, e estas não o farão invejar o ser que, na verdade, está
inconsciente das imperfeições, mas apenas porque não sente de modo nenhum o bem
que essa imperfeições qualificam. É melhor um ser humano insatisfeito do que um
porco satisfeito; é melhor Sócrates insatisfeito do que um tolo satisfeito. E
se o tolo ou o porco têm uma opinião diferente é porque só conhecem o seu
próprio lado da questão. A outra parte da comparação conhece ambos os lados.
John Stuart Mill, Utilitarismo, Porto Editora, Porto, 2005
Nenhum comentário:
Postar um comentário