“- Kant tinha
desde o princípio a forte impressão de que a diferença entre o justo e o
injusto tinha de ser mais do que uma questão de sentimentos. Nesse aspeto ele
estava de acordo com os racionalistas, que tinham explicado que era inerente à
razão humana distinguir o justo do injusto. Todos os homens sabem o que é justo
e o que não é, e nós sabemo-lo não apenas porque o aprendemos, mas também
porque é inerente à nossa razão. Kant achava que todos os homens tinham
uma “razão prática” que nos diz sempre o que é justo e
o que é injusto no domínio da moral.
- Então é
inata?
- A
capacidade de distinguir o justo do injusto é tão inata como
todos os outros atributos da razão. Todos os homens veem os fenómenos como
determinados causalmente – e também têm acesso à mesma lei moral universal.
Esta lei moral tem a mesma validade absoluta que as leis físicas da natureza.
Isso é tão fundamental para a nossa vida moral como é fundamental para a nossa
vida racional que tudo tenha uma causa, ou que sete mais cinco sejam doze.
- E o que é
que diz essa lei moral?
- Uma vez que
precede qualquer experiência, é "formal". Significa
que não está relacionada com possibilidades morais de escolha determinadas. É
válida para todos os homens em todas as sociedades e em todos os tempos. Logo,
não diz que tens de fazer isto ou aquilo nesta ou naquela situação. Diz como te
deves comportar em todas as situações.
- Mas que
sentido tem uma lei moral, se não nos diz como nos devemos comportar numa
situação determinada?
-Kant formula
a lei moral como imperativo categórico. Por isto, ele
entende que a lei moral é "categórica", quer dizer, é válida em todas
as situações. Além disso, é um "imperativo" e consequentemente uma
"ordem" e absolutamente inevitável.
- Hm...
- Aliás, Kant
formula o seu imperativo categórico de diversas formas.
Primeiro, diz: “devíamos agir sempre de tal forma que pudéssemos
desejar simultaneamente que a regra segundo a qual agimos fosse uma lei
universal”.
- Quando faço
alguma coisa, tenho de ter a certeza de que desejo que todos façam o mesmo na
mesma situação.
- Exato. Só
nessa altura ages de acordo com a tua lei moral interior. Kant também formulou
o imperativo categórico da seguinte forma: devemos tratar os outros
homens sempre como um fim em si e não como um meio para alguma outra coisa.
-Não podemos,
portanto, "explorar" os outros para obtermos benefícios.
-Não,
porque todos os homens são um fim em si. Mas isso não é válido apenas para os
outros, mas também para nós mesmos. Também não nos devemos explorar como meio
para alcançar algo.
- Isso faz-me
lembrar a "regra dourada": não faças aos outros o que não queres que
te façam a ti. -Sim, e isso é uma norma formal que abrange basicamente todas as
possibilidades éticas de escolha. (…)
Jostein
Gaarder, “ O Mundo de Sofia” p.296/297
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