Há ações intrinsecamente erradas ou será que
são erradas apenas por causa das suas consequências? Vamos supor que ao
torturar alguém estamos a salvar uma vida humana, ou dez, ou cem. Se for assim,
deveria a tortura ser moralmente admissível ou até mesmo imperativa? Vamos
supor que com a pena de morte estamos, de facto, a impedir o assassínio e que
cada execução pode salvar duas vidas de inocentes, ou três, ou uma dúzia. Se
for assim, deveria a pena de morte ser moralmente admissível ou talvez até
imperativa? E como deveríamos estar a responder a estas perguntas?
Numa certa perspetiva, o melhor método, talvez
o único viável, seja começar por examinar as nossas intuições. (...)
Para testar as nossas intuições morais e
perceber mesmo o que a moralidade exige, ocuparam-se com uma série de dilemas,
na sua maioria conhecidos como Dilemas do Trólei. Eis dois dos mais importantes:
1. O
Problema do Trólei. Está em pé, ao lado de uma linha férrea, e vê um comboio a
aproximar-se de si. Percebe que os seus travões falharam. Há cinco pessoas
amarradas ao carril. Vão morrer, a não ser que tome uma atitude. E você está
mesmo ao lado de um interruptor. Se o puxar, o comboio muda de linha. O problema
é que há uma pessoa amarrada nessa outra linha e ao puxar o interruptor irá
matá-la. Deve puxá-lo?
2. O
Problema da Ponte. Está numa ponte pedonal a olhar para a linha férrea e vê um
comboio aproximar-se. Percebe que os seus travões falharam. Há cinco pessoas
amarradas ao carril. Vão morrer, a não ser que tome uma atitude. Um homem gordo
está ao seu lado, debruçado na ponte, também a ver o comboio. Se o empurrar,
ele vai cair e estatelar-se nos carris. E porque é obeso, o seu corpo irá
travar o comboio e assim salvar as cinco pessoas — apesar de ele próprio
morrer. Deverá empurrá-lo?
As
intuições da maioria das pessoas sobre estes dois dilemas são muito claras. No
Problema do Trólei, deveria puxar o interruptor; já no Problema da Ponte, não
deveria empurrar o homem gordo. A questão é: o que diferencia estes dois casos?
Uma vez identificada a resposta, talvez estejamos em condições de esclarecer o
que está bem e o que está mal — não só sobre tróleis e pontes pedonais, mas
sobre os pilares onde assenta a ética e os limites ao pensamento utilitarista.
E, na volta, pode-se responder a uma vasta gama de questões que se colocam na
vida real, questões que envolvem não apenas os temas da tortura, da pena de
morte e dos conflitos armados, mas também o uso legítimo da coerção, das nossas
obrigações para com estranhos e, no que respeita a temas de saúde e da
segurança, onde e como devemos situar as análises de custo-benefício.
CASS R. SUNSTEIN
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