Quando o exército nazi invadiu a Polónia em Setembro de 1939, iniciando, com isso, a Segunda Guerra Mundial, foi uma ação intolerante de primeira ordem. Mase se ela se conformasse aos ideais nazis? Um relativista cultural, parece, não poderia criticar os nazis por serem intolerantes, se tudo o que eles estão a fazer é seguir o seu próprio código moral. Entendido com propriedade, o relativismo cultural sustenta
que as normas de uma cultura reinam supremas dentro dos limites da cultura.
Assim, uma vez que os soldados alemães entraram na sociedade polaca, eles tornaram-se sujeitos às normas da sociedade polaca – normas que, obviamente,
excluíam a carnificina de polacos inocentes. Como afirma o velho ditado, “em
Roma, como os romanos”. Relativistas culturais concordariam com esta posição.
O ARGUMENTO DA DIFERENÇA CULTURAL
Os relativistas culturais frequentemente empregam uma certa
forma de argumento. Eles começam com fatos sobre as culturas e terminam
extraindo uma conclusão sobre a moralidade. Assim, convidam-nos a aceitar este raciocínio:
1. Os gregos acreditavam que era errado comer os mortos, ao
passo que os galatianos acreditavam que era correto comer os mortos.
2. Portanto, comer os mortos não é nem objetivamente certo
nem objetivamente errado. É meramente uma questão de opinião que varia de uma
cultura para outra.
Ou:1. Os esquimós não viam nada de errado com o
infanticídio, ao passo que os americanos acreditam que ele é imoral.2. Portanto,
o infanticídio não é nem objetivamente certo nem objetivamente errado. É
meramente uma questão de opinião que varia de uma cultura para outra. Claramente,
esses argumentos são variações de uma ideia fundamental. Eles são exemplos de
um argumento mais geral que diz:1. Culturas diferentes têm códigos morais
diferentes.2. Portanto, não há verdade objetiva na moralidade. Certo e errado
são somente questões de opinião, e opiniões variam de uma cultura para outra. Podemos
chamar isso de argumento da diferença cultural. Para muitas pessoas ele é
persuasivo. Mas é ele um bom argumento – é sólido? Não, não é. Para um argumento ser sólido, as suas
premissas têm de ser verdadeiras e a conclusão tem que se seguir logicamente
delas. Aqui, o problema é que a conclusão não se segue das premissas – isto é,
mesmo que a premissa seja verdadeira, a conclusão ainda assim pode ser falsa. A
premissa concerne àquilo em que as pessoas acreditam – em algumas sociedades as
pessoas acreditam numa coisa; em outras sociedades as pessoas acreditam noutra outra
coisa. A conclusão, portanto, concerne ao que é realmente o caso. Esse tipo de conclusão
não se segue logicamente daquele tipo de premissa. Na terminologia filosófica,
isso significa que o argumento é inválido. Considere novamente o exemplo dos
gregos e dos galatianos. Os gregos acreditavam
que era errado comer os mortos; os galatianos acreditavam que era certo. Do
mero fato de que eles discordavam, segue-se que não há verdade objetiva em
relação àquela matéria? Não, não se segue; poderia ser que a prática fosse
objetivamente certa (ou errada) e que um deles estivesse simplesmente enganado.
Para tornar o ponto claro, considere uma questão diferente. Em algumas sociedades,
as pessoas acreditam que a terra é plana. Em outras sociedades, como na nossa,
as pessoas acreditam que a terra é esférica. Do mero fato de as pessoas
discordarem, segue-se que não há “verdade objetiva” na geografia? Claro que
não; nós nunca tiraríamos tal conclusão, isso porque entendemos que os membros
de uma sociedade podem simplesmente estar errados. Não há razão para
pensar que, se o mundo é redondo, todo mundo tenha que conhecer isso. Similarmente,
não há razão para pensar que, se há verdade moral, todo mundo tenha que
conhecê-la. O argumento da diferença cultural tenta derivar uma conclusão
substantiva sobre um assunto a partir do mero fato de que as pessoas discordam.
Mas isso é impossível.
James Rachels, Elementos de filosofia moral
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