(Foto de Dora Maar, 1907/1997)
A filosofia adota uma atitude crítica em relação a
determinadas crenças que foram previamente consideradas verdadeiras. A
filosofia moral faz o mesmo em relação a crenças relacionadas com o certo e o
errado, com o bom e o mau, com o que se deve e com o que não se deve fazer. A
questionação crítica de determinadas crenças tende a surgir quando existe um
conflito aparente entre uma ideia antiga e uma nova. Eis dois exemplos: Na
Grécia antiga, como em muitas outras sociedades, aceitava-se que as regras
morais eram absolutas e refletiam a ordem do universo como um todo. Quando os
professores itinerantes, os chamados “sofistas”, viajaram pelo mundo conhecido,
descobriram que os códigos morais e os sistemas legais variavam de sociedade
para sociedade. Isto levou-os a questionar a antiga crença de que as regras
morais são absolutas e universais. O mesmo pode acontecer nas sociedades
modernas do ocidente. Em geral, aceita-se que certos princípios fundamentais —
por exemplo, a proibição de matar pessoas — são absolutos e universalmente
reconhecidos como tal. No entanto, é claro que todos sabemos que certas tribos
primitivas, e até nações civilizadas em situação de guerra, pensam que a
proibição absoluta só se aplica dentro do próprio grupo. Contudo, e pelo menos,
dentro desses limites, supomos que o princípio é universalmente aceite como
autoevidente. Assim, constitui para nós uma surpresa ver os antropólogos
sociais afirmar que em algumas tribos se aprovava a morte das pessoas mais
velhas da sua sociedade. Podemos observar diferenças de comportamento e podemos
observar indícios a favor de diferentes crenças. Mas se tivermos dúvidas sobre
a verdade do nosso próprio código moral, não nos serve de muito confirmar que
outras pessoas têm diferentes crenças morais. O nosso problema não é descobrir
em que acreditamos nós e em que acreditam os outros. O nosso
problema é saber em que devemos acreditar; a questão não é saber o que
nós (ou os Samoenses) pensamos que está correto, mas sim o que devemos
pensar que está correto [...]. Queremos um teste para normas ou valores e
não um teste para factos. (…)
Antes, pensava-se que a Terra era plana. Hoje temos boas
razões para acreditar na tese de que a Terra é mais ou menos esférica. Mas que
indícios podemos nós fornecer para mostrar que a tese de que matar pessoas
idosas ou crianças fracas é realmente errada, apesar das práticas e das crenças
de algumas sociedades? No exemplo da Terra plana, uma observação pode ser
corrigida por outra. À primeira vista a Terra parece plana; mas depois temos
que ter em conta a diferença no horizonte, quando é observado ao nível do mar e
quando é observado do topo de uma montanha; temos que ter em conta que o casco
de um navio, visto ao longe, desaparece primeiro do que os seus mastros; temos
que ter em conta as viagens à volta do mundo; e ainda a visão da Terra quando
observada de uma estação lunar. Em relação às crenças morais, que tipo de
observação poderia surtir o mesmo efeito? Nós não vemos nem tocamos aquilo que
é correto ou aquilo que é errado. Nós não alcançamos as nossas crenças morais a
partir dos dados dos sentidos.
Bem, mas talvez as alcancemos através dos dados fornecidos
por um tipo diferente de experiência: a experiência do sentimento ou da emoção.
Nós temos certos sentimentos de aprovação em relação a certas ações e estados
de coisas e temos sentimentos de desaprovação em relação a outras. O mesmo se
aplica aos juízos estéticos. Quando afirmamos que a Quinta Sinfonia de
Beethoven é bela, ou quando dizemos que o pôr-do-sol é belo, não ouvimos a
beleza de um, nem vemos a beleza de outro. Ouvimos os sons da sinfonia e vemos
as cores do pôr-do-sol; mas sentimo-nos tocados esteticamente. Do mesmo modo,
talvez possamos afirmar que nos sentimos tocados moralmente quando observamos
um ato de bondade ou um ato de crueldade.
Esta teoria tem uma implicação importante. Os sentimentos
são subjetivos. Os seguintes provérbios são disso prova: “a beleza está nos
olhos de quem a vê” (significando a mente, não o olho físico); “gostos não se
discutem”; “tu gostas de café, eu gosto de chá”; “os espartanos aprovavam o
abandono de crianças débeis, nós desaprovamos”. Assim, a teoria que defende que
os juízos morais, tal e qual como os juízos estéticos, dependem dos dados dos
sentimentos, tem a consequência de que são subjetivos. I
D. D.
Raphael Moral
Philosophy (Oxford University Press, 1994), pp. 11–22.
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