Se existem ou não ações não é algo que possamos responder
através da observação direta. Aqueles que duvidam da existência de ações não
estão a questionar aquilo que todos percebem. Estão a questionar o facto de
saber se os conceitos que habitualmente usamos para descrever e interpretar
essas observações são apropriados ou até consistentes. Se não são, leva-nos a
uma resposta negativa à nossa questão: se ação é um conceito inconsistente, não
pode haver ações, do mesmo modo que não pode haver círculos quadrados. Logo, a
própria análise do conceito de ação é um tópico central da filosofia da ação.
Suspeitas acerca da própria consistência do conceito de ação,
bem como acerca da distinção entre ações e acontecimentos, podem aparecer mesmo
ao nível das perspetivas científicas. Se levamos a ciência a sério, então somos
obrigados a refletir sobre a possibilidade de reconciliar a visão científica
com a conceção comum da realidade, já que elas parecem ser, se não
contraditórias, pelo menos altamente díspares. As perspetivas científicas
congratulam-se com acontecimentos explicados por outros acontecimentos
anteriores ou por outros acontecimentos simultâneos com a ajuda de leis. Mas se
pensarmos em nós como agentes, concebemo-nos como seres capazes de iniciar
alterações no mundo independentemente da sua história prévia. Agentes e ações,
então, enfrentarão dificuldades se procurarem um lugar no plano científico.
A atitude de suspeição ou de ceticismo relativamente à ação
apresenta-se de formas diversas, desde propostas eliminativistas até propostas
mais ou menos reducionistas. Para que o leitor fique com uma ideia do que possa
ser uma atitude reducionista, comecemos com um episódio que ninguém hesitaria
classificar como ação: beber um copo de água. Que direito temos de chamar isto
de ação e não apenas de acontecimento? Onde reside o carácter adicional deste
episódio? O que fiz eu? A água entra na minha boca como efeito da gravidade.
Este movimento, por sua vez, foi provocado pelo movimento do copo. Onde está a
ação aqui? Bem, alguém pode sempre dizer que se causei o acontecimento, então
agi. Mas pense que este movimento pode ser exatamente causado pelo movimento da
minha mão e do meu braço, que por sua vez foram causados por alguns movimentos
de contração dos músculos, que por sua vez foram provocados por alguns disparos
neuronais, e assim sucessivamente. Uma ação assim parece dissolver-se e
reduzir-se a uma sequência de acontecimentos. A nossa distinção vulgar entre ações
e acontecimentos começa a desvanecer-se; parece que chamamos "ação"
ao que na realidade não é mais do que uma série de eventos causalmente
relacionados. Apelar para desejos não resolve a questão, já que o nosso desejo
por água é provavelmente um estado causado por privação orgânica. A cadeia de
eventos estende-se cada vez mais no passado e parece nada haver que nós, como
agentes, tenhamos iniciado, nenhuma ação, só sempre mais e mais acontecimentos.
Então as ações parecem não ser outra coisa senão sequências específicas de
acontecimentos.
Carlos J. Moya, The Philosophy of Action (Polity Press, Oxford, 1990), pp. 1–2.
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