O que é a validade?
Dizemos
frequentemente que uma ideia, uma pessoa ou uma iniciativa são válidas.
Com isso queremos dizer que tal pessoa, tal ideia ou tal iniciativa são
boas ou úteis, ou que têm um certo valor. Isso é o que acontece na
linguagem comum. Em lógica e filosofia, porém, o termo «validade» tem um
significado diferente e muito preciso, que já veremos qual é. Antes
disso, há uma ideia que tem de ficar bem clara. Essa ideia é a da
distinção entre verdade e validade; distinção fundamental em lógica e filosofia.
De uma proposição
dizemos que é verdadeira ou falsa. Mas de um argumento, que é formado
por várias proposições, já não podemos dizer que é verdadeiro ou falso.
Isso seria um erro enorme. Algumas pessoas pensam que se um argumento é
um conjunto de proposições e como as proposições são verdadeiras ou
falsas, assim também os argumentos podem ser verdadeiros ou falsos. Isso
seria o mesmo que dizer que um conjunto de pessoas é alto porque é
formado por pessoas altas. As pessoas podem ser altas ou baixas, mas os
conjuntos (sejam eles de pessoas ou de outra coisa qualquer) não são
altos nem baixos. Se, como se verá, o mesmo argumento pode conter
proposições verdadeiras e falsas, por que razão afirmaríamos que esse
argumento é verdadeiro em vez de falso, ou vice-versa? Aquilo que,
primeiramente, nos interessa num argumento é saber se a conclusão se
segue das premissas. No caso de isso acontecer estamos perante um
argumento válido. Caso contrário, estamos perante um argumento inválido.
O seguinte argumento é claramente válido:
Todos os espanhóis são toureiros.
Bill Clinton é espanhol.
Logo, Bill Clinton é toureiro.
Bill Clinton é espanhol.
Logo, Bill Clinton é toureiro.
Ao analisar este
argumento, a diferença entre verdade e validade torna-se clara. É fácil
verificar que tanto as premissas como a conclusão são falsas. Contudo, a
conclusão segue-se das premissas. Por isso o argumento é válido.
Falamos de verdade e falsidade quando referimos as premissas e a
conclusão e falamos de validade ou invalidade quando referimos o próprio
argumento. Veja-se agora o seguinte argumento claramente inválido:
Todos os portugueses são europeus.
Luís Figo é europeu.
Logo, Luís Figo é português.
Luís Figo é europeu.
Logo, Luís Figo é português.
É muito fácil
verificar que se trata de um argumento inválido, bastando substituir o
nome de Luís Figo por outro nome como, digamos, Tony Blair, mas mantendo
tudo o resto. E, apesar de ser um argumento inválido, todas as
proposições que o constituem são verdadeiras. Só que a conclusão não é
sustentada pelas premissas.
Mais uma vez se diz
que um argumento é válido ou inválido consoante a sua conclusão se segue
ou não das premissas, sejam elas verdadeiras ou falsas. Mas esta é
ainda uma forma imprecisa de dizer o que é a validade. Existe, contudo,
uma definição explícita de «argumento válido». Assim, diz-se que «um argumento é válido se, e só se, é logicamente impossível ter premissas verdadeiras e conclusão falsa».
Sabemos agora exactamente o que procurar num argumento para saber se é
válido ou não. Tudo pode acontecer com um argumento válido, menos uma
coisa: ter premissas verdadeiras e conclusão falsa. Mas isto não
significa que o argumento é válido desde que não tenha premissas
verdadeiras e conclusão falsa. Não basta que não tenha as premissas
verdadeiras e a conclusão falsa; é necessário que isso seja impossível
de acontecer. Repare-se no meu último exemplo: não acontece ele ter as
premissas verdadeiras e a conclusão falsa, até porque premissas e
conclusão são todas verdadeiras. Mas se no mesmo argumento
substituirmos, como atrás sugeri, o nome de Luís Figo pelo de Tony
Blair, o que acontece? Acontece que as premissas continuam verdadeiras
mas a conclusão é falsa. E essa é a única coisa que não pode acontecer
num argumento válido. Portanto, é inválido.
Para tornar mais
clara a noção de validade, podemos mesmo prescindir de qualquer nome,
seja ele Luís Figo ou Tony Blair, e construir um argumento com a
seguinte forma:
Todo o A é B.
c é A.
Logo, c é B.
Seja o que for que A,
B e c signifiquem, este argumento é claramente válido. Admitindo que as
premissas são verdadeiras, a sua conclusão não pode ser falsa. Mas como
sabemos que este argumento é válido se não sabemos ainda o que
significam A, B e c? Sabemos isso porque a validade de um argumento não depende daquilo que nele se afirma, isto é, do seu conteúdo, mas da sua forma lógica. Para sabermos se um argumento é válido nada mais temos de fazer senão atender à forma como está estruturado.É por isso que um
argumento pode ser válido mesmo que nele se afirmem as coisas mais
inverosímeis do mundo. Um bom exemplo disso é o seguinte:
c é A.
Logo, c é B.
Se as bananas têm asas, o ouro é um fruto seco.
Acontece que as bananas têm asas.
Logo, o ouro é um fruto seco.
Acontece que as bananas têm asas.
Logo, o ouro é um fruto seco.
Também aqui a
conclusão terá de ser verdadeira, caso as premissas o sejam. Contudo,
dificilmente alguém estaria disposto a aceitar um argumento destes. O
que acontece é que não é suficiente um argumento ser válido para termos
de o aceitar, mostrando assim que nem todos os argumentos válidos são
bons. Não estamos interessados em aceitar a conclusão de um argumento
válido quando essa conclusão é inferida de falsidades. Queremos também
que um argumento seja sólido. Ou seja, que, além de ser válido, tenha premissas verdadeiras.
Aires de Almeida
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