terça-feira, 3 de janeiro de 2023


 Quando examinado, vê-se que o determinismo radical se baseia em três princípios:

  1. O princípio do determinismo — que tudo o que acontece tem uma causa;
  2. O princípio de que se uma ação é determinada, então não é livre (a pessoa não poderia realmente ter escolhido não a fazer); 
  3. O princípio de que a pessoa é moralmente responsável apenas por ações livres.

Argumentos a favor do determinismo radical:

Os deterministas radicais tendem a acreditar que as afirmações necessárias para apoiar a sua posição são óbvias. Parece-lhes óbvio que as ações determinadas, digamos, pela hereditariedade e pelo ambiente não podem ser ações livremente escolhidas; e igualmente óbvio que as pessoas são apenas responsáveis pelas ações que escolheram livremente. Por isso, os deterministas radicais concentraram o seu fogo no primeiro princípio — que o determinismo é verdadeiro. Os seus argumentos são muito fortes. Em primeiro lugar, as provas a favor do determinismo em geral baseadas na vida diária parecem extraordinariamente fortes. Quando pomos açúcar no café, esperamos que o café fique doce e ficaríamos muito surpreendidos se não o ficasse. Quando passeamos, o solo suporta-nos sempre — não nos enterramos lentamente na terra. Do mesmo modo, a gravidade nunca falha — nunca flutuamos suavemente até às estrelas. Quando os astronautas vão para o espaço, milhares de peças de equipamento têm de trabalhar de forma exatamente correta milhões de vezes — “exatamente correta” significa exatamente como foi previsto pelas teorias científicas acerca das leis da natureza que explicam como as coisas estão determinadas para acontecer. A verdade é que não podemos fazer um movimento sem confiar em pelo menos algo que funcione como funcionou no passado. Assim, cada experiência que temos parece apoiar a tese geral de que tudo o que acontece neste universo é causado ou determinado pelo que aconteceu no passado. Mas a questão principal entre os deterministas radicais e os seus opositores não é a propósito do determinismo ou da causalidade em geral. A questão diz respeito apenas a um conjunto limitado de acontecimentos ou circunstâncias no universo, a saber, a escolhas e ações humanas, em particular, a escolhas e ações morais. São as nossas ações livres (não-determinadas)? São as nossas escolhas livres? Há “espaço” suficiente nas leis que governam o universo para que estas coisas possam acontecer? Os deterministas dizem que não, e as provas parecem estar fortemente a seu favor. Em primeiro lugar, na vida diária fazemos constantemente previsões acerca do que as pessoas irão fazer. Como é óbvio, não podemos fazer previsões com 100 % de precisão, mas as pessoas perspicazes, de algum modo, fazem-nas razoavelmente bem. Classificam as pessoas em pessoas em quem se pode confiaregoístassem escrúpulossociáveisagressivashostis, e tudo o mais, com um sucesso moderado que é difícil explicar se as nossas ações e as nossas escolhas não forem determinadas. Além do mais, sabemos pela vida diária quão facilmente podemos alterar os nossos estados e capacidades mentais tomando drogas. É essa a razão do amplo uso do álcool, da marijuana, da cafeína, da nicotina, da aspirina, do Valium, e de outros modificadores da mente — alteramos as nossas perceções, libertamos as nossas inibições ou livramo-nos da dor. No caso do álcool, com frequência enfraquecemos a vontade moral ou abalamos, por exemplo, a resolução de nos abstermos de relações sexuais imorais. Tudo isto apoia o ponto de vista dos deterministas e opõe-se à ideia de vontades livres (não-causadas). Além disso, há as provas decisivas da ciência. Os cientistas pressupõem que as leis da natureza que descobriram se aplicam a tudo no universo, incluindo as minúsculas partículas que constituem o cérebro e o sistema nervoso humanos. Quando escolhemos fazer algo — digamos, apertar um dedo indicador contra o gatilho de uma arma carregada apontada a um inimigo —, impulsos elétricos viajam do cérebro para os músculos apropriados do corpo. Há uma grande quantidade de provas científicas (e nenhumas contraprovas convincentes) de que estes impulsos elétricos são causados por outros impulsos no cérebro, que em última instância são causados por interações químicas algures no corpo (por exemplo, em várias glândulas que segregam hormonas e na retina do olho). A noção de uma vontade livre (não-causada) parece assim contraditar alguns princípios científicos muito bem estabelecidos. Por último, deve-se fazer notar que, na vida diária, os indeterministas, tal como todas as outras pessoas, agem como se acreditassem realmente que o determinismo é verdadeiro. Em particular, antecipam as escolhas morais das outras pessoas exatamente como toda a gente. E pressupõem que a exortação moral, o treino moral e a educação moral serão eficazes, embora o objetivo do treino moral seja influenciar as decisões morais dos estudantes. Se as pessoas tomam efetivamente as suas decisões morais independentemente das forças causais, como tem o treino moral efeito?

Howard Kahane, Thinking About Basic Beliefs (Wadsworth, Belmont, 1983), pp. 44-48.

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