sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Texto para resumo Guilherme 10ºB

"A palavra "ação" emprega-se, às vezes, para falar de animais não humanos (diz-se que a ação das cegonhas é benéfica para a agricultura) ou inclusivamente para falar de objetos inanimados (diz-se que a gravitação é uma forma de ação à distância) ou a que toda a ação exercida sobre um corpo corresponde uma ação igual de sentido contrário. Porém, empregamos a palavra "ação" sobretudo para falar do que fazem os seres humanos. Aqui só nos interessa este tipo de ação, a ação humana. As nossas ações são (algumas das) coisas que fazemos. Na realidade, o verbo “fazer” cobre um campo semântico bastante mais amplo que o substantivo ação. Em latim distingue-se o agere do facere. Agere só tem o significado de agir, enquanto facere tanto pode significar “fazer” como “agir” (…). Assim, etimologicamente, "ação" só mantém a carga semântica de agere, enquanto "fazer" mantém tanto a de agere como a de facere. Tudo o que fazemos faz parte da nossa conduta, mas nem tudo o que fazemos constitui uma ação. Enquanto dormimos, fazemos muitas coisas: respiramos, transpiramos, (…) sonhamos (...) talvez ressonemos ou falemos em voz alta ou andemos sonâmbulos pela casa. Fazemos todas estas coisas inconscientemente, não nos damos conta, não temos consciência do que fazemos, uma vez que estamos a dormir. (...) A estas coisas que fazemos inconscientemente não vamos chamar-lhes ações. Vamos reservar o termo "ação" para as coisas que fazemos conscientemente, isto é, das quais nos damos conta do que fazemos. Há coisas que fazemos conscientemente, dando-nos conta delas, mas sem que a sua realização corresponda a uma intenção nossa. Damo-nos conta dos nossos tiques e de muitos dos nossos atos reflexos, mas não os realizamos voluntariamente; constatamo-los como espectadores, não os efetuamos como agentes (a palavra "agente" também tem a sua origem verbo agere). (...) Por algo que sentimos depois de comer, damo-nos conta de que estamos a fazer a digestão. Mas fazer a digestão não constitui uma ação. Assim, também não chamamos ações a estes aspetos da nossa conduta de que nos damos conta, mas que não realizamos intencionalmente. Neste estudo limitar-nos-emos a considerar ações humanas conscientes e voluntárias. Uma ação será uma interferência consciente e voluntária de um ser humano (o agente) no normal decurso das coisas, que sem a sua interferência seguiriam um caminho diferente. Uma ação consta, portanto, de um acontecimento que sucede graças à interferência de um agente, que tem a intenção de interferir para que tal acontecimento suceda. A maioria dos acontecimentos não tem nada a ver com ações. (...) Uma ação é uma entidade abstrata formada por um agente X e um acontecimento Y, de tal modo que X tem a intenção de que ocorra Y e mediante a sua interferência consegue que ocorra Y."

Jesús Mosterin, racionalidade Y Accion Humana, Alianza Universidade, Madrid, pp. 141-145 (trad.).


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