Dario, o rei da Pérsia antiga, ficou intrigado com a
variedade de culturas que encontrou nas suas viagens. Ele descobriu, por
exemplo, que os galatianos, que viviam na Índia, comiam os corpos de seus pais
mortos. Os gregos, naturalmente, não faziam isso – eles praticavam a cremação e
viam o funeral da pira como amaneira natural e adequada de dispor dos mortos.
Dario pensava que uma visão sofisticada poderia prezar as diferenças entre as
culturas. Um dia, para ensinar a sua lição, ele convocou alguns gregos que
estavam na sua corte e perguntou-lhes o que seria necessário para eles comerem
os corpos de seus pais mortos. Eles ficaram chocados, como Dario sabia que eles
ficariam, e responderam que nenhuma quantidade de dinheiro poderia persuadi-los
a fazer tal coisa. Então, Dario chamou alguns galatianos e, enquanto os gregos
ouviam, perguntou-lhes oque seria necessário para eles queimarem os corpos de
seus pais mortos. Os galatianos ficaram horrorizados e disseram a Dario para
não falar de tais coisas. Essa estória, recontada por Heródoto na sua História,
ilustra um tema recorrente na literatura das ciências sociais: culturas
diferentes têm códigos morais diferentes. O que é pensado como correto por um
grupo pode horrorizar os membros de um outro grupo e vice-versa. Devemos nós comer
os corpos dos mortos ou queimá-los? Se fosse grego, uma resposta poderia ser obviamente
correta, mas, se fosse galatiano, a outra
resposta poderia ser igualmente certa.
O RELATIVISMO CULTURAL Para muitas pessoas esta observação –
“culturas diferentes têm códigos morais diferentes” – parece ser a chave para
entender a moralidade. Não há verdades morais universais, dizem eles. Os
costumes de sociedades diferentes são tudo oque existe. Chamar um costume de
“correto” ou “incorreto” implicaria podermos julgar tal costume por algum
padrão independente do que é certo e errado. Mas não existe tal padrão. Todo
padrão é limitado culturalmente. O sociólogo William Graham Summer (1840-1910)
apresentou o assunto nos seguintes termos: O modo “correto” é o modo que os
ancestrais utilizavam e que foi transmitido.
[...] A noção de correto está nos modos de pensar de um povo.
Não é exterior a eles, de uma origem independente, trazido para testá-los. Nos
modos de pensar de um povo, qualquer que seja esse pensar, ele é correto.
Isso ocorre porque eles são tradicionais e, portanto, contêm em si mesmos a
autoridade dos espíritos ancestrais. Essa linha de pensamento, mais do que
qualquer outra, tem persuadido as pessoas a serem céticas a respeito da ética.
Com efeito, o relativismo cultural afirma que não há tal coisa como verdade
universal na ética. Há somente os vários códigos culturais e nada mais. O
relativismo cultural desafia a nossa crença na objetividade e na universalidade
da verdade moral. Todas as pretensões seguintes foram feitas pelos relativistas
culturais:
1. Sociedades diferentes têm códigos morais diferentes.2. O
código moral de uma sociedade determina o que é certo dentro daquela sociedade,
isto é, se o código moral de uma sociedade diz que uma certa ação é correta,
então aquela ação é correta, ao menos dentro daquela sociedade.3. Não há padrão
objetivo que pode ser usado para julgar o código de uma sociedade como melhor
do que o de outra sociedade. Não há verdades morais que valham para todas as
pessoas em todos os tempos. 4. O código moral de nossa própria sociedade não
tem um status especial. Ele é somente mais um código entre muitos.5. É arrogante
de nossa parte julgar outras culturas. Devemos sempre ser tolerantes em
relação a elas.
Estas cinco proposições parecem caminhar em conjunto, mas
elas são independentes umas das outras, o que pode significar que algumas delas
podem ser verdadeiras mesmo que outras sejam falsas. Realmente, duas das proposições
parecem ser inconsistentes entre si. A segunda diz que o certo e o errado são
determinados pelas normas de cada sociedade. A quinta diz que se deve sempre
ser tolerante em relação a outras culturas. Mas e se as normas de uma sociedade
favorecem a intolerância?
James Rachels, Elementos da filosofia moral
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